quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Se arrependimento matasse...


O texto de hoje é uma forma de mostrar à minha filha Daniella  que jamais esqueci da "melissada"...

Um dos ensinamentos que a vida me legou é jamais fazer coisas das quais eu venha a me arrepender. Embora tenha cometido muitos deslizes, que poderiam ter contribuído para graves arrependimentos, tentava demonstrar o meu desconforto no momento em que me dava conta do erro. Ainda assim, mesmo que possam ser contabilizados nos dedos de uma única mão, cometi injustiças, articulei palavras desnecessárias, magoei ou feri alguém em um dado momento de minha vida. Para me manter apaziguada com ela, decidi não carregar culpas e não me debruçar no passado, salvo se provocada.

Justamente, por isso, e pelas palavras escritas por minha filha, comentando sobre o texto “Pais: esses seres descartáveis” e que reeditei ontem, é que me debruço, hoje, sobre uma nódoa imprimida pelo mal feito. E no passado. Ao reler os lindos depoimentos de Daniella sobre o texto que ressuscitei ontem, lembrei da história da melissinha. Assim mesmo. Com letras minúsculas, porque não é uma menininha que atende por Melissa. É a sandalinha de plástico, patrocinada ou cuja garota propaganda era a Xuxa, a apresentadora e por quem a minha garotinha era doidamente apaixonada. Vale lembrar que o amor incondicional dedicado a ela extrapolou e fugiu do passado para se incorporar nos hábitos de minha neta, a Marianna. Outra adoradora da musa.

O que vou narrar tem duas versões: a minha, conforme a recordo e a da minha filha, como a viveu. Por ser a protagonista e eu a vilã, deter-me-ei no que se prontificou na recordação dela.


A tarde era de verão, num daqueles dias em que os ânimos ficam tão escaldantes como o calor típico da estação. Segundo ela, por ter sido deixada em casa pelo pai, que se fizera acompanhar pelos outros dois irmãos ao supermercado, fora tomada de fúria justificada. Para evidenciar o seu desconforto, esbravejava aos gritos, censurados com admoestações por mim. Insistindo na “má conduta”, não depois de tentar uma honrosa negociação, a menina não se acalmava.

Esgotadas todas as tentativas de finalizar o impasse a bons termos, perdi o autocontrole e, enfurecida, lancei mão do primeiro objeto intimidador para dar fim aquela cena desagradabilíssima. Como a fúria inicial da menina descambara em ofensas e palavrões, bati na perna esquerda dela com a sandália, em cujo solado constava a marca. Como um arranjo sábio do destino, na frágil e alva perninha de minha filha, ficou registrada, em nuances bem demarcadas e vermelhas, a palavra Melissinha. As letras apareciam escancaradamente como se tivessem sido talhadas a ferro e a fogo.


Para meu desconforto, a garota exibia aquela chaga como um troféu a me lembrar a maldade cometida. Obviamente, que se aproveitou disso para sensibilizar o pai e acirrar o meu arrependimento, cujo remorso carrego até hoje e que se acentua quando me lembro do triste fato. Dele, faço questão de relembrar sempre como um reforço inculcado na memória, para não repetir atos impensados, que ganham força e foro em momentos de raiva. Nestas horas, questiono-me se a minha garotinha ter-me-á perdoado...

Resta-me, no entanto, a convicção de que, baseada na dor e na humilhação sentidas, que jamais fará algo que venha magoar  a filhinha dela.

4 comentários:

  1. Mana amada!

    Lembro-me bem dos escândalos da amada Danny e sei que também fiz os meus.
    Todas as mães carregam o estigma de um dia ter perdido o controle para com seus filhos e, estes ficaram as marcas desse descontrole.

    Mas o tempo passa amadurecemos e sabemos o quanto foi difícil para uma mãe tomar tal atitude.

    Lembro-me de ter enloquecido a mamãezinha, em setembro de 19 e não sei o que, por conta da nossa prima Sônia a qual eu havia brigado feio, fui espancada com uma madeira de cabide de saia, aqueles antigos que tinha uma pelúcia.
    Fiquei com marcas roxas e salientes nas pernas, perto da coxa. No dia seguinte tive de desfilar com roupa de tenista, saia plissada e curta. As marcas bem em evidência.
    Com prazer mórbido revelava a quem me perguntava que aquilo havia sido um ímpeto de loucura e crueldade de minha mãe.
    A pobrezinha simplemente perdeu o prumo e me espancou. Era naquele tempo esse o método de corrigir os erros e eu era uma pecadora muito rebelde e má.
    Mas, como isso aprendi para não repetir, e não culpei mais a Zaidinha. Não lembro de ter espancado o meu maravilhoso Nícolas.
    Os filhos e os pais tem suas diferenças mas sempre todo o feito é coroado de amor.
    Um beijão na alma,
    Adejane M Gudolle

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  2. Pois é, minha bichinha, engraçado de ler esta hisótia e dela ser motivo para reviver tantas e tantas vezes em tua memória.
    Para até que estou repetindo, mas por várias vezes já te disse, que doeu só na hora,mas que a palavra Melissinha nunca mais foi lembrada como uma marca em minha perna e assim como um belo sapatinho de consumo. Tanto que até hoje almejo e compro as Melissas e que já comprei para a aminha doce Marianna também, porque filha minha jamais poderia não ter uma, pois lembro que na época era o maior sacrifício comprá-las!
    Então é isso minha bichinha, lembre dessa história com uma bela risada no rosto, pq é assim que lembro dela....e também,...pensando na cena eu realmente merecia...pq eu era terrível.
    Pelo menos temos uma histórinha de um dia apanhar em casa, já que essa é a única (menos mal que foi só uma melissada que valeu por toda a vida) risos...
    Te amo minha mãe, é e será sempre a MELHOR MÃE DO MUNDO!!!
    Tu fizestes tantas outras coisas maravilhosas para mim que essa é apenas uma história!!!
    Mil beijocas!!

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  3. Maninha, minha amada!
    Eras uma garotinha rebelde, mas a Zaidinha extrapolava em ti toda a raiva dela. Primeiro, em mim. Cresci e tu me substituíste! Lembrando das inúmeras surras que levei é que me propus a jamais bater em meus filhos. Ingrata, fugi à promessa por duas vezes: com o Rodrigo e com a Daniella. Mesmo que, na época, os motivos parecessem justificáveis, nunca me perdoei e tenho pesadelos com aqueles tristes incidentes. A pior coisa que um ser humano pode carregar são os dramas de consciência. Nada os pode apagar. Nem o tempo. Num dado momento, reaparecem como fantasmas a nos torturar. Embora saiba lidar com eles, incomodam...
    Um abraço muito carinhoso e apertado. Um verdadeiro UPA!

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  4. Oh! Filha mais amada!
    Se tu não tivesses nascido de mim, eu te procuraria no mundo inteiro e "te comprava"! És tudo o que uma mãe poderia almejar: bonita, amorosa, delicada, compreensiva, generosa, portadora de uma infinita capacidade de amar e de perdoar.
    Fiquei feliz por não ter gerado conflito em tua vida aquela melissada. A partir de hoje, começarei a lembrar do descontrole como uma forma engraçada, mesmo que cruel, de te educar. Quem sabe esse fantasma chamado remorso se atenua.
    Obrigada por teres me perdoado.
    Cada vez percebo o quanto foi bom teres nascido.
    Com todo o meu amor, aceita um beijo no pescocinho.

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