quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Gramática contextualizada

Quando iniciei a docência, fui contratada para ministrar aulas de Francês, idioma que aprendera com meu pai, aperfeiçoara no ginásio (hoje ensino fundamental), aprimorara na Alinça Francesa, um famoso curso internacional e, depois,  na faculdade.

Diferentemente de como apresentavam o Português, o Italiano e o Espanhol, disciplinas obrigatórias, naquele tempo, para se cursar o Curso de Letras Latinas (Português, Francês, Italiano e Espanhol), o Francês era ensinado em laboratórios especializados, provavelmente, financiados pelo governo francês e cujas aulas eram ministradas pela magnífica professora Ruth Larée.

Não apenas aprendíamos as regras gramaticais francesas, mas ainda as conversações no idioma dentro de um determinado contexto. Explico-me: se fôssemos aprender os nomes de frutas, alimentos, comidas, vestes, cores, cidades, ruas,.., deveríamos levar, para a sala de aula, os produtos , os objetos, pesquisar as imagens que seriam os objetivos do ensino.

Eram, portanto, as hoje tão confusas aulas contextualizadas. O que vivenciávamos era a união da teoria e da prática, ou seja, o famoso vivendo e aprendendo. Certamente, o que falta, atualmente, na práxis docente do ensino brasileiro.

Depois que recebi convite para ministrar também o Português, pus em prática, nas aulas da língua mãe, todo o meu aprendizado no curso de francês. O sucesso foi instantâneo. A maioria das crianças e jovens, incentivados pelos pais, sonhavam em ser meus alunos.


Esse tipo de estratégias exigia de mim muito desgaste físico, e financeiro, visto que os alunos estavam sempre esperando uma novidade. Na maioria das vezes, surpreendia-os, todavia nem sempre tinha tempo e imaginação para bolar técnicas e metodologias sempre diferentes.

Quando não apresentava nada novo à classe, valia-me de textos curtos, principalmente anedotas, para estabelecer paralelos entre as regras gramaticais e a vida.


Por que estou escrevendo tudo isso?

Porque, hoje, lendo Zero Hora, o maior periódico do Sul (Eta terminho desatualizado! Usei-o para dar maior relevância ao jornal gaúcho), encontrei uma piada que usara, naquele tempo, para mostrar aos alunos como a linguagem tem dúbio sentido (a famigerada ambivalência linguística, a AMBIGUIDADE).

Apresento, nesta postagem, como, intuitivamente, desde o início de minha atuação como professora, (e já se transcorreram 44 anos), apresentava aos estudantes a matéria contextualizada. Claro que eu não sabia que estava sendo messiânica. Apenas, recentemente, essa estratégia vem sendo testada nas escolas. E com muita confusão e timidez. Medo de inovar, talvez. Insegurança?


Acredito que sim, porque, para ser um excelente professor, ou professora,  além do domínio dos conteúdos, do domínio absoluto da classe (para evitar a indisciplina), a pessoa deve ser criativa e crítica, para não parecer ridícula. Deve, portanto,  transformar-se num exímio e instintivo ator, disposto  a transitar do emotivo, do trágico ao cômico em sala de aula. 

Foi o que procurei ser e fazer durante o tempo em que permaneci como professora do ensino público e, muito mais, depois, quando comecei a atuar em cursos preparatórios para vestibular, concursos e em cursos de extensão na Unisinos: fazer do lugar onde me apresentava e me apresento, um PALCO lindamente ILUMINADO.

Eis um exemplo de minha atuação instintiva:

Numa manhã de muita chuva, não tendo tempo para criar nada muito interessante e tendo como objetivo mostrar o uso dos pronomes pessoais e possessivos, iniciei a aula apresentando, no retroprojetor (hoje, uso o Data Show), o seguinte texto:

Pulgas

O patrão dá uma bronca no caipira:

- Olha, seu José, não deixe a sua cadela entrar em minha casa! Ela está cheia de pulgas!

No mesmo instante, o caipira vira-se para a cadelinha:

- Teimosa, vê se não entra mais na casa do patrão! Lá está cheio de pulgas!

Depois que riram à vontade, solicitei que dessem especial atenção à frase abaixo e a comparassem com a anedota.


 O texto a ser entabulada a comparação era este:

*O guarda prendeu o ladrão em sua casa.

Numa outra lâmina, escrevi:

*O guarda prendeu o ladrão na casa de quem?

Minha nossa!

Cada aluno dava a sua interpretação. Uns diziam que era na casa do guarda. Outros, na do ladrão.

Depois que vários alunos se explicaram, tentando convencer os demais, estabeleci o paralelo entre os dois contextos.

Corretíssimas foram as interpretaçóes do porquê o pronome pessoal ELA apresentar ambiguidade e por que outro pronome deveria ser substituído para evitar a ambivalência.

Foi, a partir desse confronto, que muitos, realmente, entenderam a piada apresentada. Novas risadas.

Estava entabulada a compreensão. Eles próprios deduziram que certos pronomes  não podem ser empregados em determinados contextos, porque geram tremenda confusão.

Depois disso, pedi que reexaminassem os dois textos e os interpretassem corretamente.

Heureka!

Não precisei dizer a eles que a frase do guarda não geraria dupla interpretação se fosse substituída por duas minúsculas expressões:   dele e deste, enquanto o "ela" está cheia de pulgas! deveria ser trocada por " Aquela" está cheia de pulgas! Ele deduziram que AQUELA foi empregada porque retoma a palavra cadelinha, a expressão colocada em PRIMEIRO LUGAR na frase.

Aproveitei para lhes indagar: E se fosse mesmo a casa que estava cheia de pulgas? Todos, mas todos mesmo acertaram a resposta.

Também não precisei explicar quando se usa dele ou deste. Eles próprios chegaram à conclusão de que, se quisessem dizer que a prisão se efetuara na casa do guarda, deveriam assim se manifestar:
O guarda prendeu o ladrão na casa DELE.

Caso quisessem mostrar que a casa é que era do ladrão, o texto seria articulado deste jeito: O guarda prendeu o ladrão na casa DESTE.

Sucesso absoluto!


Além de aumentar a autoestima dos alunos por eles mesmos terem “descoberto”uma intrincada regra gramatical, sem saber, estava ministrando a Gramática CONTEXTUALIZADA.

Aqui, plagiando o Pablo, o famoso Paulo Sant’Ana, nos seus momentos de megalomania, eu era ou não era genial?

Esqueci de escrever que aproveitei os textos para reforçar o ensino de pontuação, colocação pronominal, elaboração de diálogos, ortografia. Tudo numa tacada só e tendo os alunos atentíssimos e...felizes.


Por tudo isso é que cedo entendi que a minha real vocação não era ser médica como acalentara desde a infância e sim, professora.

(Paguei o preço da errônea troca sob o ângulo financeiro, contudo, caso tivesse optado pelo primeiro objetivo,  tenho convicção de que não me sentiria tão realizada...)

Portanto,  ofereço a linda orquídea lá de cima para mim mesma e para todos os que tiveram a paciência de lerem esta insignificante postagem até o fim. (Somos ou não somos legais?)

4 comentários:

  1. Arlete,vou iniciar pela orquídia,com sua delicadeza,sua beleza tem tudo a ver contigo,contas um pouco da tua trajetória pedagogica,iniciando no francês e acabando no português.Tenho notado que estás te colocando a disposição para trabalhos de finalização de cursos,minha duvida é se tens uma equipe que trabalha contigo ou és uma "andorina solitária"?Conforme a tua resposta vou me permitir avançar um pouco mais,nestas tarefas que te dedicas,em função de valores é claro mas também de satisfação pessoal.Um bom dia.

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  2. Bom dia, amigo querido!
    Que susto tu me deste em não ter aparecido mais. Com que alegria recebo a tua visita! Amigos como tu não posso perder de "vista". Devem estar sempre ao alcance de meu "olhar". Quanto ao "andorina solitária", realmente, trabalho sozinha, porque o meu pai me ensinou que "não se deve criar cobras para nos comer". Se treinar alguém nessa tarefa de correção, obviamente e pelo que percebo pecuniariamente, é um atividade altamente compensadora e que, por isso, "abrirá o olho" de quem poderá me auxiliar. (Isso já aconteceu quando eu era dona de cursinhos. Mesmo pagando muito bem aos meus professores, "cresceu o olho" de um deles e, com isso, arrumei um sério concorrente. Motivo que me desgostou, induzindo-me, inclusive, a me transformar em palestrante e "free lancer"! (se é que se escreve assim). Com isso, passei a ganhar um bom dinheiro e... sem me incomodar. Só na moleza e, ainda por cima, entrava de bolsos vazios,( só com a cara, a coragem , a performance) e saía de cursos, palestras, encontros,... de bolsos cheios.
    Aprendi a viver no bem bom!
    Ah! claro que abdico de viagens, encontros familiares, festas, porque essas atividades exigem muito de mim. (Percebeste que escrevo que o meu tempo para estar aqui neste blog é quase nulo? ?
    Que discurso fiz, hem? ÉS culpado, porque tu me incentivas a desabafar... Perdoa-me, pois.
    Não demares tanto para me visitar, viu?.
    Um forte abraço.

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  3. Ah!Esqueci-me de te dizer que trabalho com correções há loooooooongos anos. A divulgação pelo blog e pela internet foi por orientação do Vinícius e o banner com a propaganda foi criado pelo Rodrigo. Sempre sou incentivada ppr esses meus filhos muito amados!E pela Daniella, é óbvio!

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  4. Oi, amiga! Sou professor também e, sempre que você se reporta a sua vida como educadora, identifico-me com você. O texto de hoje merece o "somos legais"!
    Abçs.
    João Lucas

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