segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Um conto de verão


*Nem o sol se deitara no horizonte e a vontade de comer ia se alastrando no casal,  fazendo-lhes roncar  as barrigas. O almoço fora farto, as conversas giraram em torno de futebol, crianças e churrasco. Qual a melhor carne, o ponto exato do fogo, tudo era motivo para algum comentário. Nenhum incidente. Amigos e parentes riam de dente a dente. Para muitos, aquele era o melhor churrasco. Dos outros nem se lembravam... A sobremesa, indescritível. Pura beleza e sabor incomparável.

Depois de muita algazarra, o cansaço provocado pela comilança avisava que era hora de se retirarem.  A dona da casa despedir-se-ia com o tradicional “ainda é cedo. Não vão!”, ditos sem muita ênfase tal seria a molemolência que, possivelmente,  a dominasse. No verão, cozinhar vira um inferno. Literalmente. Comera pouco por isso. O marido também. Nervoso que algo saísse errado.

Nem as crianças a impediriam de recolher-se ao leito para descansar o corpo fatigado pela labuta semanal, alimentada pela refrega do domingo. O telefone poderia tocar com insistência que, ouvidos moucos, não  atenderia. Muito menos se a interlocutora fosse a sogra com as costumeiras críticas ao ponto inadequado da carne, ao pouco sal na salada e ao excesso de açúcar no doce. Para ela, a nora nunca acertava nada. Não podia, no entanto, negar-lhe a estonteante beleza que tanto encantara o filho. Talvez, Freud explicasse a irrefreável e injusta raiva que sentia pela moça.

Judith, a mãe do filho, a sogra da filha, ligara para a mãe da nora. Rasgara-se em elogios sobre o almoço oferecido por esta. Falara, sem parcimônia, sobre a nova decoração da casa, empenhara-se em reafirmar  o bom gosto de tudo. Era outra pessoa falando de alguém que, segundo ela,  muito amava. Ninguém poderia educar com tanto empenho os seus netos. Rosane, segundo dissera à mãe, era a mais perfeita criatura, seu filho era um privilegiado.

Do outro lado da linha, Carmen se questionava que, se não conhecesse tão bem a filha, juraria que o que lhe contara sobre o telefonema da sogra era pura mentira, enorme maldade. De duas uma: ou a filha era uma dissimulada ou à sogra caberia, com muito mérito, o título de bruxa.


*Uma nota:

O conto acima escrevi para ver se ainda mantinha a velha capacidade de discorrer sobre qualquer tema. Pedi a uma amiga que me dissesse três palavras para, a partir delas, escrever um conto.

As palavras foram: churrasco, sogra, mentira.

Releiam o conto e me digam se ainda mantenho  o bom desempenho. Vou adorar os comentários.

Ah! Se não vier nenhum, ficarei tristinha, mas "dou a volta por cima, sacudo a poeira e..." parto para outro...

2 comentários:

  1. estimada professora!

    mantive sempre o pensamento de que ,sogra é uma pessoa que colocou no mundo a pessoa que amamos e que ela nos ama,por isso ja basta, mas... vai conviver diariamete pra ver o que cobra venenosa são.adorei o texto, parabéns, bjs

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  2. Querido(a)anônimo(a):

    Baseada em todos os estereótipos em relação às sogras é que procuro jamais me meter na vida de meu genro. Só visito a filha e ele se for insistentemente convidada. (Não faço para eles o que minha sogra fez para mim e a minha mãe, para o meu marido).

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