quinta-feira, 5 de maio de 2011

Um pedacinho de Lya Luft


Tive o privilégio de conhecer a notável escritora Lya Luft ainda quando era casada com outro notável, o filólogo gramático Celso Pedro Luft. O encontro (obviamente que fui presenteada com o autógrafo em livros por eles escritos), aconteceu em um dos muitos cursos ministrados pelo notório professor em Porto Alegre. Desde a oportunidade de que já decorre tanto tempo, a cada nova obra lançada, tendo oportunidade, vou adquirindo-as.

Lamentavelmente, o último livro lançado por Lya, “A Riqueza do Mundo”, só vou poder comprar em uma de minhas idas à capital e isso se tempo dispuser ou puder contar com a disponibilidade de minha filha, senão... Ficará para o já desgastado “para o ano que vem futebol clube”. Enquanto acalento a esperança de compra, vou lendo o que aparece em jornais ou revistas. Para meu deleite, saiu, em Zero Hora, uma entrevista da artesã das palavras, nascida em Santa Cruz do Sul. Gaúcha, portanto.

Já nas respostas às perguntas, L.L. vai dissecando o conteúdo do livro. Um encantamento. Dentre tudo o que revelou sobre o seu conteúdo, capturei, da página 3 do jornal ZH, o seguinte texto, porque é, exatamente assim, que me vejo ante meus filhos:

“Que nossa vida, meus filhos, tecida de encontros e desencontros como a de todos, tenha por baixo um rio de águas generosas, um entendimento acima das palavras e um gesto além dos afetos – algo que só pode nascer entre nós. Que quando eu me aproxime, meu filho, você não se encolha nem um milímetro com medo de voltar a ser menino, você que já é um homem. Que quando eu te olhe, minha filha, você nunca se sinta criticada ou avaliada, mas simplesmente adorada como desde o primeiro instante.”(Trecho de “Canção de Mãe e de Pai”)

Um crítico mais ferrenho acusaria Lya Luft de ter cometido dois graves erros: um de concordância e outro de pontuação. Onde?


 O primeiro, no emprego do pronome de tratamento VOCÊ, que exige que os demais pronomes estejam na terceira pessoa para que haja a adequada construção. No entanto, como se trata de um diálogo entre mãe e filhos, no Brasil, essa mistura de tratamentos Você com TE, segunda pessoa, faz parte da linguagem coloquial.

O deslize na pontuação ocorreu em “Que quando eu me aproxime, meu filho, você não se encolha nem um milímetro com medo de voltar a ser menino, você que já é um homem.” Por quê?


Porque, entre o QUE e o QUANDO, dois NEXOS (conetivos de ligação), deveria haver uma VÍRGULA. Segundo a gramática, emprega-se a vírgula para separar uma ORAÇÃO INTERCALADA (esta: quando eu me aproxime, meu filho).

Se tivesse empregado o pronome O no lugar do Te no texto, um O (o correto) pareceria um linguajar alienígeno aos ouvidos já acostumados com o emprego do TE.

O texto com a concordância padrão, mas não ideal, ficaria assim: “Que, quando  eu a olhe, minha filha, você nunca se sinta criticada ou avaliada...” Seria o mesmo que um jovem apaixonado, ao fazer à amada uma impulsiva declaração de amor, se pronunciasse deste jeito, “Meu amor, eu a amo e  vou amá-la eternamente”. Corretíssimo, mas tenho quase certeza de que a garota daria incontida gargalhada ao ouvir aquele amá-la Já imaginaram um, amá-la-ia ou amaria? Eu te amo é bem mais sonoro e forte...

O "eu a amo" mais parece uma declaração de “outro mundo”. O que eu quero dizer é, caros e pacientes leitores, que, numa obra escrita, o autor ou a autora gozam de certas regalias, semanticamente chamadas de liberdade poética. Liberdade que a nós, míseros mortais, usuários do idioma luso, não é permitido desfrutar na escrita. Na fala, a língua é nossa, usamos e abusamos dela como bem o quisermos. Desde, é claro, que não firamos os ouvidos de um  atento ouvinte.

Essa duplicidade de tratamento (VOCÊ e tu) daria uma ótima questão em provas de concursos. No dia a dia, entretanto, causaria um grave “dano” à audição viciada do receptor da mensagem.

P.S.: Perceberam? Uni o útil ao agradável. Misturei o prazer gerado pela leitura de um texto de Lya Luft com gramática. A essa mistura se chama de gramática contextualizada, um dos bichos papões de muitos professores.

Ah! Ao escrever "amá-la", lembrei-me de uma piada que publiquei aqui e que, ao recebê-la por e-mail, chorei de tanto rir. Vou procurá-la e se a encontrar publicá-la-ei de novo.

2 comentários:

  1. Vou te falar, acho a Lya Luft fora de série uma escritora fantástica, apesar de saber que ele não é uma boa vizinha...risos...mas com certeza tu és muiiiiiiito melhor que ela!!!
    Te amo!!
    Beijão!!

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  2. Nossa, filha amada! Achar-me superior à Lya Luft é um presente digno do Dia das Mães. Quem sabe não edito um livro com os meus "guardados"? Duas leitoras eu teria: tu e a Djeine.
    Obrigadaça!
    Mil beijos pelo elogio.

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