domingo, 26 de setembro de 2010

Um música distante (Parte II)


Continuação de "Uma Música Distante", publicado na postagem abaixo.

 
Súbito, o mesmo destino que une e separa pessoas, lançou sobre os dois bailarinos o seu catastrófico manto. Do emaranhado de fios, displicentemente ligados para gerarem a energia sonora do baile, faíscas crescentes tomaram conta do palco. Engalfinharam-se no etéreo tecido das cortinas e, alimentadas pela decoração feita em papel crepom, cresceram em labaredas irrequietas que se alastraram para as belas luminárias do salão. Aos poucos, a magia tétrica do fogo foi tomando conta de tudo. Correria geral. A pequena cidade, em pânico, aterrorizava-se e se via envolvida por uma claridade intensa, aquecida pela fogueira que consumia a bela edificação social em que o clube funcionava. Aos gritos, chamando-as pelos nomes, buscava pelas primas, enquanto se dirigia ao carro deixado por elas perto da praça. As duas já a esperavam. Uma, chorando. A outra, rindo meio embriagada ou nervosa pelo inesperado acontecimento.
Apressadas para fugirem do incêndio que, rápido, ia se alastrando, alimentado por um vento que nascera com a madrugada, ganharam o asfalto.


Ainda incrédulas com o que acontecera, rumaram para as suas casas, distantes uns bons quilômetros daquela pequenina cidade, cujo endereço fora encontrado pelo espírito aventureiro da garota mais velha. No caminho de volta, as primas comentavam se não teriam sido movidas pelo egoísmo e fugido daquele jeito sem se preocuparem como tudo terminara. Teriam apagado o fogo, houvera vítimas? Na mente de Mariana, Love me tender ecoava sem parar. Junto com a música, aparecia o rosto, o destemor, o nome dele (César Augusto) e parecia-lhe ouvir o tum tum do outro coração batendo de encontro ao dela num ritmo descompassado da canção de amor. Não lembrava se lhe anunciara o próprio nome.


Nunca mais se viram, mas, na mente deles, acomodara-se, em definitivo, aquela música, aquele baile e a forçada separação. Nele, ficara a saudade do que não acontecera. Nela, a inquietação e a busca insôfrega de um estranho sentimento que se lhe apossara sem cerimônia. Talvez residisse, no nefasto acontecimento do passado, a aceitação do compartilhamento de vida com quem não amava e por quem sabia não ser amada como sonhara. Sem se dar conta, passou a associar o mesmo rosto do jovem perdido no passado ao do vizinho do apartamento 312. Quem sabe, um dia, tomaria coragem e lhe pediria emprestada uma xícara de açúcar, farinha talvez. Ou o convidaria, despudoradamente, para dançarem aquela música distante perdida no tempo, cujos acordes nunca deixara de escutar.


E se não a reconhecesse? O que faria dos anos de inconsciente espera que a consumiram? Lá fora, a noite antecipava violento temporal. As horas escorriam lentas, travadas pela angústia e pela expectativa de que o sol acordasse a manhã. Raios tingiam de ouro o céu enegrecido. Por breves e repetidos instantes, a noite se metamorfoseara em dia, tal era a claridade gestada pela fúria da natureza, como se destemido artesão enfeitasse a noite com incríveis fogos de artifício.


Na mente dela, trovões repetiam um nome e o coração tamborilava aquela música num ritmo alucinante, cuja cadência se confundia com a irregularidade da respiração e do tumultuado sono. Revirava-se na cama. Nos esparsos momentos de sonolência, revia aquele baile. Em pesadelo, as labaredas, espalhadas pelo salão, fugiam dele e se lhe adentravam o cérebro, esparramando-se pelo quarto. Para se acalmar, fez tocar, no diminuto aparelho de som, à cabeceira da cama, a canção recolhida do passado, que gemia como uma súplica em busca de socorro ao desespero e solidão.


Finalmente, uma tênue claridade despertara-a em sobressalto. O galo caipira, com seu cocoricó teimoso, anunciava um novo alvorecer. Tateando sob a cama, encontrou as chinelinhas de veludo. No banheiro, deixou escorregar ao chão a camisola de seda. Vestiu a roupa escolhida no fim da tarde anterior. Higienizou-se apressada. Reuniu a loira cabeleira e amarrou-a displicentemente. Uma leve maquiagem camuflou a noite mal dormida. Ouvidos atentos, pressentira o único toque da campainha. Abriu a porta com o coração em fúria.
Só uma palavra pronunciada com ênfase: - Mariana?




*Autora: Arlete Gudolle Lopes

4 comentários:

  1. Ola adorei seu blog!!!
    Aproveite as imagens que quiser,posto lá para todos da net,tenho outras imagens no orkut tbm,
    HEIDY KELLER.
    bJSSSSSSSSSSS

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  2. Bom dia, Heidy!

    Faço jus às tuas imagens, não?
    Sempre que posso, dou uma passada no teu blog. É lindo!
    Um abraço.
    Arlete Gudolle Lopes

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  3. NOssa.....sem palavras, só um profundo suspiro...lindoooo...lindooo

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  4. Oi, filhotinha!
    Eba! Que baita elogio! Obrigada.
    Mil beijos

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