quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Histórias que vivi 8


A história que vou contar hoje não deixa de ser mais uma de minhas trapalhadas só que, nesta, o meu espírito brincalhão, deu-me uma bela rasteira.

Estudava em Santa Maria no Colégio Estadual Manoel Ribas, educandário considerado um dos melhores do Brasil à época, durante as manhãs. À tarde, frequentava o curso de francês na "Aliança Francesa". Na minha turma, havia jovens e adultos de ambos os sexos e oriundos de diversas cidades do estado. Dentre eles, escolhi, para minha companheira de trabalhos, uma freira adorável e gorducha de Jaguari. De origem italiana, não conseguia livrar-se do sotaque, o que lhe dificultava a pronúncia da língua de Victor Hugo. Tentava auxiliá-la de todas as formas, mas confesso que foi uma batalha quase perdida.

Num dos momentos em que a direção do curso proporcionava para ampliarmos a conversação em francês, a professora titular, por um problema em família, avisou que demoraria a chegar. Aproveitamos para trocar ideias e discorremos sobre os mais variados assuntos. Entre os colegas, havia um francês, nascido em Paris e que se achava o máximo. Estava sempre nos desafiando a traduzirmos determinadas palavras ou vertê-las para o idioma dele. Uma foi cartomancia. Nenhum de nós sabia. Conversa vai, conversa vem, caio na asneira de afirmar que sabia ler o futuro nas mãos, portanto dominava a quiromancia. (Traduzindo: quiromancia vem de quiró = linhas das mãos). Riso geral.

Para confirmar o que dissera, solicitei à freira de Jaguari que me permitisse revelar, através das mãos, a vida dela. Como tudo era brincadeira, a dócil irmãzinha, sem vacilar, estendeu-me a mão direita. Fingi que me concentrava, fiz o sinal da cruz para pedir ajuda aos céus e comecei: “Aos quatorze anos, tu tiveste a primeira decepção amorosa.” Continuei, olhando para os olhos dela como se estivéssemos hipnotizadas: “Tu eras bem magrinha. Foi desde esse momento que tu começaste a comer demais e foste ficando gorda.” A freirinha começou a tremer e o branco de seu rosto foi se transformando em um rubro vivo. Implacável, como uma bomba, fui detonando coisas. A sensação que eu tinha era de que lia os pensamentos dela.

Falei dos problemas que tivera com a mãe e uma irmã. Disse tanta coisa sobre comportamento, relação com as outras freiras e arrematei com algo mais ou menos assim: “Inclusive, tu entraste para o convento para esconder o enorme amor que sentias pelo teu primo e que casou com tua irmã!” Tive que parar com a ladainha, porque a infeliz freirinha desatou num choro incontrolável e, ainda chorando, indagou-me sem meias palavras: “Quem é que te contou essas coisas de minha vida? Só a minha mãe é que sabia e ela já morreu!”

Virgem Maria! Quem começou a tremer, apavorada, fui eu. Assustada, disse-lhe que estava brincando e que inventara tudo aquilo. Difícil foi convencer aos demais colegas de que eu simplesmente ia dizendo coisas sem pensar e, desesperada, implorava que não levassem a sério o que dissera. Tudo não passara de invencionices minhas. Brincando, revelei segredos escondidos a sete chaves. Relatei situações tão verdadeiras conforme a quiromanciada, que somente a Parapsicologia poderia explicar. Sem querer, infelizmente, atingira, em cheio, uma pessoa a quem dedicava muito carinho

Por muito tempo, estudamos o que se passara entre nós. Telepatia? Apenas casualidade? E a precisão do discorrido? Acertei em tudo o que fingi ler na mão gordinha de minha amiga religiosa. O que realmente acontecera entre nós?

Daquele momento em diante, passei a acreditar que, no cérebro humano, há milhares de neurônios não ativados. Passei a acreditar, também, que ambas, inconscientemente, queríamos nos amparar na amizade sincera e confiante que nascera entre nós. Ela, infeliz com seu problema físico-ético-religioso e eu, com minhas tormentas porque estava com as mensalidades do curso atrasadas e não sabia como pagá-las... Ambas estávamos fragilizadas e infelizes. Portanto, foi mais uma de minhas trapalhadas, com a diferença de que esta ultrapassou os limites do imaginável.

Ah! Existem outros fatos nessa linha de arrepiar os cabelos e fazer nascer pelos em cabeça de careca.

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