segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Jayme Caetano Brum: Amargo


Velha infusão gauchesca
De topete levantado
O porongo requeimado
Que te serve de vazilha
Tem o feitio da coxilha
Por onde o guasca domina,
E esse gosto de resina
Que não é amargo nem doce
É o beijo que desgarrou-se
Dos lábios de alguma china!

A velha bomba prateada
Que atrás do cerro desponta
Como uma lança de ponta
Encravada no repecho
Assim jogada ao desleixo
Até parece que espera
O retorno de algum cuera
Esparramado do bando
Que decerto anda peleando
Nalgum rincão de tapera!

Velho mate-chimarrão
As vezes quando te chupo
Eu sinto que me engarupo
Bem sobre a anca da história,
E repassando a memória
Vejo tropilhas de um pelo
Selvagens em atropelo
Entreverados na orgia
Dos passes de bruxaria
Quando o feiticeiro inculto
Rezava o primeiro culto
Da pampeana liturgia!

Nessa lagoa parada
Cheia de paus e de espuma
Vão cruzando uma, por uma,
Antepassadas visões
Fandangos e marcações
Entreveros e bochinchos
Clarinadas e relinchos
Por descampados e grotas,
E quando tu te alvorotas
No teu ronco anunciador
Escuto ao longe o rumor
De uma cordeona floreando
E o vento norte assobiando
Nos flecos do tirador!

Sangue verde do meu pago
Quando o teu gosto me invade
Eu sinto necessidade
De ver céu e campo aberto
É algum mistério por certo
Que arrebentando maneias
Te faz corcovear nas veias
Como se o sangue encarnado
Verde tivesse voltado
Do curador das peleias!

Gaudéria essência charrua
Do Rio Grande primitivo
Chupo mais um, pra o estrivo
E campo a fora me largo,
Levando o teu gosto amargo
Gravado em todo o meu ser,
E um dia quando morrer,
Deus me conceda esta graça
De expirar entre a fumaça
Do meu chimarrão querido
Porque então irei ungido
Com água benta da raça!!!

O poeta Jayme Caetano Braun nasceu em Bossoroca, perto de São Luiz Gonzaga, no dia 30 de janeiro de 1924. Filho de João Aloísio Braun e Euclides Caetano, casou-se em primeiras núpcias, em 1947, com Nilda Jardim, com quem teve dois filhos, Marco Antônio e José Raimundo. Em segundas núpcias, em 1988, casou-se com Aurora de Souza Ramos, com quem teve mais um filho, Cristiano.

Em sua cidade natal, foi radialista. Tornou-se funcionário do Instituto de Seguridade Social do Estado do Rio Grande do Sul (Ipasa) e diretor da Biblioteca Pública do Estado de 1959 a 1963.

Poeta regionalista gaúcho, Braun publicou livros de poesia e um dicionário de regionalismos, Vocabulário Pampeano - Pátria, Fogões e Legendas. Também gravou discos e CDs, nos quais declamava seus poemas, acompanhado por Lúcio Yanel, Glênio Fagundes e Noel Guarany. Como letrista de músicas regionalistas, que podem ser consideradas verdadeiros poemas por sua elaboração estética e temática regionalista, foi premiado em muitos festivais. Em alguns, atuou também como apresentador.

Recebeu homenagem e destaque especial do festival Sesmaria da Canção, de Osório, em 1997. Entre seus prêmios, estão o Troféu Laçador de Ouro e o Troféu Simões Lopes Neto (maior honraria concedida pelo governo do Estado), ambos em 1997. Emprestou seu nome a Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) de diversas localidades. Algumas de suas canções foram gravadas por cantores e conjuntos de outros Estados, como Originais do Samba.

O talento de Jayme Caetano Braun como poeta e letrista foi reconhecido no Uruguai, na Argentina, no Paraguai e na Bolívia. Excelente repentista, conhecido como El Payador, ocupa por isso um lugar de destaque na literatura regionalista do Rio Grande do Sul.

Tem, na sua poesia, a expressão estilizada da autenticidade e espotaneidade da fala do homem rural, da zona da Campanha. Sobre sua obra, afirmou Walter Spalding: "A poesia desse poeta missioneiro é um dos maiores e melhores repositórios de palavras e expressões gauchescas, valendo por isso seus livros um tesouro. Grande parte das que usa e que são de uso comum nas Missões e outras partes do Rio Grande jamais foram dicionarizadas". Seus poemas são, em geral, longos e épicos, para ser declamados de viva voz.

O costume campeiro de contar casos também está presente em seus "rimances", poemas narrativos, como Bochincho, extremamente popularizado, um dos textos mais declamados nas festas gauchescas. Seu vocabulário regional representa rico acervo para estudo dos dialetos rurais gaúchos.

Artesão de belas imagens, também compôs poemas líricos-amorosos, e sua temática ia desde a expressão de um forte telurismo quase místico pelo pago,a objetos de seu universo - o galpão, o lenço, a faca, o cavalo, as chilenas -, as apologias sobre a história do Estado e o realismo social, em poemas nos quais os anti-heróis são desvalidos da sorte e oprimidos pelo sistema capitalismo. Suas composições têm um percurso nítido: vão dos poemas longos grandiloqüentes, feitos para declamação, aos poemas curtos e densos de suas últimas obras, nos quais a elaboração poética é maior e mais cuidadosa, acompanhando os modelos da modernidade.

Jayme Caetano Braun expressou um desejo no poema Índio Vago: "Um dia, quando eu morrer / Esse é o fim de cada qual / Hão de estar meu pingo velho / Com seu relincho cordial / E o meu cusquinho brasino / Chorando meu funeral". Certamente, junto do pingo velho e do cusquinho brasino, estamos todos nós a chorar a perda de um tão grande inventor de novos modos de olhar o universo gauchesco, forte marca de nossa identidade regional.

Como a palavra bem articulada e com ares de dança sapateia pela alma dos sensíveis não morre, artistas que sonorizam os seus textos e dão pés de bailarinos aos vocábulos viverão para sempre. Assim, Jayme renasce em cada um de seus admiradores.

Se depender de mim, VIDA LONGA para ti, ETERNO CAETANO BRAUN!

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