Por essas linhas estranhas que se cruzam na vida, tanto eu como meu marido somos afilhados de Aureliano de Figueiredo Pinto. César Augusto, devido ao parentesco. Sua mãe era prima-irmã da esposa de Aureliano, a madrinha Zilah. Quanto a mim, o meu pai era amigo desse gaúcho, escritor, poeta e médico. Ambos, César e eu, fomos criadas na intimidade do lar desse notável cidadão e nunca lá nos encontramos. Coisas do amor...
Para homenagear o Dia do Gaúcho e reverenciar essa figura singular, posto hoje
Romance de Peão (O Tobiano Capincho)
Autoria: Aureliano de Figueiredo Pinto
Este tobiano de Estância
foi o bicho mais maleva
que o diabo inventou pra um peão!
Zolhos de chancho, cabano,
sargo, coiceiro, aragano,
manoteador e bufão.
Peão que chegasse atrasado
na segunda, mui sovado
da farra pelo rincão
já se sabia - a sua pena
era encilhar o ventana
que ansim mandava o Patrão.
Uma feita ... era segunda ...
na estância .... ao clarear do dia ...
com cara de laço novo ... cheguei ...
já estava meu povo na mangueira ...
E alguém gritou quando já davam cavalo:
- Lace o tobiano capincho
pra esse que vem dos bochincho
do rincão do Cantagalo!
Que sina! ... se eu tinha o peito
mais puro que a Estrela D'alva
que bico de beija-flor!
Qual bochincho ... se eu voltava
de ver a prenda que amava
todo enredado de amor.
Virge do céu ... será o diabo ...
Um cristão que andou bailando
por duas noite e treis dia
com no ouvido as harmonia
da cordeona retrechando
e o coração sarandeando
numa havanera macia ...
Nos olhos tontos de sono,
como em espelho pequeno
aquele corpo moreno
com crespos que o vento bate!
E o auroma à flor e a sereno
que vem na prosa em cochicho ...
- Que auroma! ... Não vi em bolicho ...
nem nos baús dos mascate.
E os negro olhos ariscos
como iraras bobeaderas
nas poças que a seca embarra
na sombra de um caponete ...
E que maneia ginete
como pealo de cucharra!
Quanta coisa ela me disse
não dizendo quaje nada!
Quanta coisa ela entendeu
da minha boca cerrada
- porteira do coração!
... E agora, eu moço monarca,
chego batendo na marca
no meu ofício de peão ...
Bonito! Agora acordar
de um sonho que é um lindo engano!
Soltar o corpo franzino
em que envidei meu destino
pra me trompar com o malino
que é este capincho tobiano!
Chego ... E, "Bom dia Senhores!"
largo já meio coverda...
E me respondem - "Boa tarde!
Dormiu nas palhas paissano!
Largue esse! Traga o buçal!
La putcha que é sesigual
a sorte de um campechano!
Vinha o tobiano no laço
como dourado na linha!
Ligeiro como tainha
como traíra de açude!
Dando mais pulos e saltos
que um calcuta na rinha!
Haaa! ... quando a sorte é mesquinha
não hai feitiço que ajude!
Pra encilhá o venta rasgada
foi abaixo de oração ...
E já maneado e enfrenado
foi luita pra arregla os troço!
Rezei quatro Padre-nosso
só pra sentar o xergão ...
Cheguei a carona e os basto.
E quanto a cincha tinia
o infame se foi pra o céu.
Voltou ... Tombou de boléu.
Quaje perdendo o chapéu
rezei quatro Ave-Maria ...
E o urco como um bodoque!
Traiçoero ... Olhando pra trais,
com a cincha no osso do peito!
... e eu ... le ajeitando ... com jeito ...
por causa do capatais ...
Depois de bem encilhado
tranqueou com passo de tango
muito mal intencionado,
encolhido e retovado!
Eu vi minha vida piquena ...
Corri os olhos na chilena
e olhei pra tala do mango ...
Na voz de - "bamos moçada!"
campeei a volta e montei
certito e firme nos basto!
Já o bicho se vinha urrando
ladeadito ... se brandiando
como quatiara de arrasto ...
Nóis fumo naquela toada ...
nessa dança desgranida
em que um taura arrisca a vida
só pra honrar a patacoada!
Despois... de focinho gacho
garrou ladeira em descida
na fúria despavorida
de um touro num costa-abaxo!
Me encomendei pro Senhor!
Também pra Virgem Maria!
Nem sei como arresestia
ansim blandito de amor!
E sem amadrinhador
nesse lançante tremendo
me fui solito ... me vendo
mais triste que um payador! ...
Rodou ... E ficou roncando!
Quebrado! É o fim do Capincho!
E eu ... Paradito! ... E, com tino
a pensar desta maneira:
- Por Ti ... A mais linda Triguera!
Gineteio a vida intera
no lombo do meu Destino! ...
04/01/2004. Romance de Peão (O Tobiano Capincho)
Autoria: Aureliano de Figueiredo Pinto
Este tobiano de Estância
foi o bicho mais maleva
que o diabo inventou pra um peão!
Zolhos de chancho, cabano,
sargo, coiceiro, aragano,
manoteador e bufão.
Peão que chegasse atrasado
na segunda, mui sovado
da farra pelo rincão
já se sabia - a sua pena
era encilhar o ventana
que ansim mandava o Patrão.
Uma feita ... era segunda ...
na estância .... ao clarear do dia ...
com cara de laço novo ... cheguei ...
já estava meu povo na mangueira ...
E alguém gritou quando já davam cavalo:
- Lace o tobiano capincho
pra esse que vem dos bochincho
do rincão do Cantagalo!
Que sina! ... se eu tinha o peito
mais puro que a Estrela D'alva
que bico de beija-flor!
Qual bochincho ... se eu voltava
de ver a prenda que amava
todo enredado de amor.
Virge do céu ... será o diabo ...
Um cristão que andou bailando
por duas noite e treis dia
com no ouvido as harmonia
da cordeona retrechando
e o coração sarandeando
numa havanera macia ...
Nos olhos tontos de sono,
como em espelho pequeno
aquele corpo moreno
com crespos que o vento bate!
E o auroma à flor e a sereno
que vem na prosa em cochicho ...
- Que auroma! ... Não vi em bolicho ...
nem nos baús dos mascate.
E os negro olhos ariscos
como iraras bobeaderas
nas poças que a seca embarra
na sombra de um caponete ...
E que maneia ginete
como pealo de cucharra!
Quanta coisa ela me disse
não dizendo quaje nada!
Quanta coisa ela entendeu
da minha boca cerrada
- porteira do coração!
... E agora, eu moço monarca,
chego batendo na marca
no meu ofício de peão ...
Bonito! Agora acordar
de um sonho que é um lindo engano!
Soltar o corpo franzino
em que envidei meu destino
pra me trompar com o malino
que é este capincho tobiano!
Chego ... E, "Bom dia Senhores!"
largo já meio coverda...
E me respondem - "Boa tarde!
Dormiu nas palhas paissano!
Largue esse! Traga o buçal!
La putcha que é sesigual
a sorte de um campechano!
Vinha o tobiano no laço
como dourado na linha!
Ligeiro como tainha
como traíra de açude!
Dando mais pulos e saltos
que um calcuta na rinha!
Haaa! ... quando a sorte é mesquinha
não hai feitiço que ajude!
Pra encilhá o venta rasgada
foi abaixo de oração ...
E já maneado e enfrenado
foi luita pra arregla os troço!
Rezei quatro Padre-nosso
só pra sentar o xergão ...
Cheguei a carona e os basto.
E quanto a cincha tinia
o infame se foi pra o céu.
Voltou ... Tombou de boléu.
Quaje perdendo o chapéu
rezei quatro Ave-Maria ...
E o urco como um bodoque!
Traiçoero ... Olhando pra trais,
com a cincha no osso do peito!
... e eu ... le ajeitando ... com jeito ...
por causa do capatais ...
Depois de bem encilhado
tranqueou com passo de tango
muito mal intencionado,
encolhido e retovado!
Eu vi minha vida piquena ...
Corri os olhos na chilena
e olhei pra tala do mango ...
Na voz de - "bamos moçada!"
campeei a volta e montei
certito e firme nos basto!
Já o bicho se vinha urrando
ladeadito ... se brandiando
como quatiara de arrasto ...
Nóis fumo naquela toada ...
nessa dança desgranida
em que um taura arrisca a vida
só pra honrar a patacoada!
Despois... de focinho gacho
garrou ladeira em descida
na fúria despavorida
de um touro num costa-abaxo!
Me encomendei pro Senhor!
Também pra Virgem Maria!
Nem sei como arresestia
ansim blandito de amor!
E sem amadrinhador
nesse lançante tremendo
me fui solito ... me vendo
mais triste que um payador! ...
Rodou ... E ficou roncando!
Quebrado! É o fim do Capincho!
E eu ... Paradito! ... E, com tino
a pensar desta maneira:
- Por Ti ... A mais linda Triguera!
Gineteio a vida intera
no lombo do meu Destino! ...
Origem: Livro "Romances de estância e querências - Marcas do tempo", autoria de Aureliano de Figueiredo Pinto. Ed. Globo. 1959.
Publicado por Roberto Cohen em 29/05/2001.
Editado por Roberto Cohen em
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