sábado, 25 de junho de 2011

Os meus anjinhos reeditado



Numa tarde chuvosa da semana passada, relutantemente, saí de casa para tratar de assuntos inadiáveis. Essas oportunidades, que estão se tornando, cada vez, mais raras em minha vida, porque tenho um marido muitíssimo especial. Ele é que realiza as atividades mais rotineiras como ir a supermercados, a bancos, inclusive comprar linhas, botões, fechos, entretelas, produtos comezinhos, mas que são responsáveis pelas roupas bonitas com que me visto e por muitos dos objetos que adornam a casa.

Pois foi numa dessas raras tardes, que encontrei um número significativo de pessoas conhecidas, ex-colegas professoras, ex-alunos. Como um ritual, todos eles e elas mostravam a surpresa de me ver e relembravam fatos importantes vivenciados junto com eles ou isolados vividos por mim. Ora recordavam-se das aulas por mim ministradas, ora reavivavam um artigo publicado em Zero Hora, ou traziam à baile uma entrevista dada por mim numa das rádios locais. Outras elogiavam este bolg. Feliz pelo ostensivo reconhecimento de minhas múltiplas capacidades, já estava prestes a retornar a casa, quando encontrei mais uma pessoa conhecida.

Depois de calorosos abraços e beijos, muitas falas e gargalhadas, pediu-me que reeditasse as crônicas em que conto histórias vividas por mim. Para mostrar o quanto fiquei feliz com o reconhecimento, reedito uma delas e de que gosto muito: "Os meus anjinhos".

Existem crianças tão especiais e naturalmente amorosas que tudo o que fazem, mesmo algo que, em outras, causaria desconforto, nelas fica uma gracinha. Há também as que se pode denominar de chatas, mal-criadas, geradoras de desconforto para os pais. Sortuda como eu sou, as minhas eram uns diabinhos, pintavam e bordavam em casa. Na casa dos outros, ou em lugares públicos, vestiam-se de anjinhos, eram educadíssimas. E espertas.

O pai adorava levá-las ao supermercado, não lhe pediam nada, permaneciam comportadíssimas. Ele é que lhes perguntava o que queriam.

A primeira vez que foram comigo ao súper, o “passeio” virou um verdadeiro inferno. Eu pegava os produtos escritos numa listinha que previamente organizara, enquanto riscava os já escolhidos, um deles colocava algo de seu agrado no carrinho também. Eu devolvia para as prateleiras. Vinha o outro e fazia o mesmo. Eles colocavam, eu tirava, colocavam, eu tirava,...

Não dizíamos nada, não brigávamos como é o comum num caso desses. Nós nos comunicávamos sem palavras. Olhares de reprovação de minha parte e aparente resignação da parte deles. Tudo indicava que a cena viraria tragédia. "Se um deles me fizer passar vergonha abrindo um berreiro ou fazendo má criação, esgoelo o pestinha", pensava enraivecida e temerosa.

De repente, sumiram pelos corredores entre os produtos. Como toda cidade pequena, na época da infância deles, conhecia todo o mundo e todo mundo me conhecia. Sabiam, também, de quem eram filhos aqueles garotos. Não me preocupei, portanto.

Estava na fila do caixa, enorme como só sabem ser filas em sábados à tarde, esperando a minha vez de pagar o que comprara, quando um dos meninos apresentou-se com um carrinho cheio de salgadinhos, pacotes e mais pacotes de balas, caixas e mais caixas de chicletes, barras de chocolate de marcas variadas. Um monte de porcarias e, obviamente, todos os brinquedos que lhes encheram os olhares.

Apresentara-se com tudo o que antes colocaram e eu tirara do carrinho de compras e ainda mais outros produtos conhecidos deles. Sabonetes. Pastas de dente. Até uma engraçadíssima escova de fazer massagem! Desesperada, disse a ele que não tinha dinheiro para pagar tudo aquilo.

Resposta estranha: - Não faz mal!

Aliviada, pensei feliz o quanto as minhas crianças eram compreensivas.

No intervalo em que o primeiro retornava com o carrinho que eu dispensara...

Voando pelos corredores, apareceu o segundo com outro carrinho não tão cheio quanto o primeiro, mas causador de preocupação financeira. Outra vez argumentei que o dinheiro não dava para pagar o que escolhera.

Resposta: - ´Tá boooom! Ta booooom!

Nessas alturas do campeonato, muitas pessoas olhavam, curiosas, para ver no que ia dar aquela cena e a estranha correria!

Achei que o vexame havia terminado quando... Tchatchatchã!

Como um bólido, autêntico carro de fórmula um, aparece a “generala”, a caçulinha. Fora ela que, antes de saírem de casa, armara toda a estratégia de guerra a ser utilizada para me sensibilizarem...

O que ela trazia no carrinho?

Um pacote de salgadinhos dos grandes, acho que três pacotes de bolachinha recheada, um caminhãozinho, uma bola e uma boneca. Disse-me a malandrinha com os olhos brilhantes, sorriso só dentes:

-Peguei os mais baratinhos, viu, mãe! Por favor, leva! ! Ai tu vai corrigir beeem as tuas provas...

Entendi a mensagem! Principalmente naquela ênfase dada ao beeem. Meu coração antes endurecido virou manteiga, porque ela fizera o pedido com uma voz tão meiga e a promessa fora tão convincente e educada que não pude deixar de aceitar as compras deles. Rendi-me à inteligência e à sagacidade de meus meninos. Jurei, porém, comigo mesma, que nunca mais os levaria a supermercado, porque os gastos, naquele dia, foram muito além do planejado.

Como toda a mãe que deseja manter com os filhos um bom prestígio, nunca cumpri o juramento. Tentava fugir deles para não perceberem que eu iria a lojas ou a supermercados, mas...

Tenho quase certeza de que vem, dessa nossa cumplicidade, desse nosso jeito divertido de jamais sermos gatos e ratos, mãedrasta e bruxa, o carinho, o respeito, a admiração e o enorme amor que sentimos uns pelos outros.

2 comentários:

  1. Amiga, lindo texto. Mais uma qualidade a ser reconhecida da fabulosa pessoa que você é. Não é sem motivos que os seus ex-alunos, os seus amigos e todas as pessoas que com você convivem que lhe dedicam tanta admiração.
    Parabéns outra vez.
    Abçs.
    João Lucas

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  2. oi, Arlete:
    vi o blog, procurando "amansa burro". para mim, ele é "o melhor amigo do homem", o dicionário. e o burrico de 25/jan/2010 é simpaticíssimo. parabéns.
    DdAB

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