quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

HISTÓRIAS QUE VIVI 3


VAI CHOVER

O meu filho do meio tinha verdadeira adoração pelo pai. Pequenininho, quando o último estava em casa, onde ia, o menino ia atrás. Se se dirigia ao banheiro , o piazinho ia junto. Perguntava sobre tudo. Estava na famosa fase do "por quê?" Por que isso. Por que aquilo...
Haja cabeça para responder tanta pergunta.

(Às vezes, perguntas irrespondíveis...(no momento, é claro!) Não é nada fácil dizer não sei para crianças. Ainda mais quando têm o inquirido em elevada consideração!)

Voltando aos dois... Se o pai saía para a rua, chorava para ir junto. Tanto foi a apurrinhação que fez ao garoto a seguinte proposta:

- Se tu sair comigo e não fizer nenhuma pergunta, tu vai! Se começar a perguntar, eu te trago pra casa!

O menino, esperto como ele só, caladinho, acompanhava o pai por toda parte. Encontrando um amigo que não via há tempos, depois de se cumprimentarem efusivamente, já não tinham mais o que falar.

É típico entre os gaúchos, não sei se o mesmo acontece em outros estados, quando faltam assuntos ou está difícil de iniciar uma conversação, fala-se no tempo, se vai chover, até onde vai a seca, etc. e tal.

O menino, quietinho, estava adorando o passeio. De supetão, o amigo perguntou, embora fizesse um sol de rachar:

- Companheiro, será que vai chover? Usou um tom pouco convincente só para agilizar a prosa, mas que, para o menino, soara como se verdade fosse.

Iniciada a conversa, a partir da pergunta sobre o se vai chover, os dois falaram sobre assuntos variados enquanto o piá pedia picolé, balas, tudo o que via. O amigo, para impressionar, pagava as guloseimas.

Creio que foi por esse acontecido que a criança, mesmo que o sol estivesse a toda no céu, queimando feito ferro em brasas, mal botando os pés fora de casa, dizia com toda a firmeza:

-Pai, vai chuvê!

Provavelmente, associava a conversa sobre o mau tempo aos maravilhosos momentos que passara, sentindo-se o senhor absoluto da situação.

Disso tudo surgiu um engraçado lado da vida do menino que nem ele sabia explicar. Chuva ou sol, almoço ou janta, esquerda ou direita? Até que, depois de associações mnemônicas, aprendeu.
Cést la vie!

O SABICHÃO

À epoca, além do estado, ministrava também aulas de Português na rede particular. Procurava mostrar todo o meu talento como educadora, preparava aulas com criatividade, sempre apresentando novidades para os alunos. Mantinha excelentes relações com todo o corpo diretivo e tudo me fazia crer ser uma das preferidas da diretora. Aproveitando-me dessa condição de eleita, convencia-a a aceitar o meu menino como aluno da pré-escola, apesar de muito novinho.

Dentre os argumentos para convencê-la, dizia para a religiosa (formada em Psicologia) que era melhor o garoto ficar entre pessoas especializadas em educação infantil do que sofrer em mão de doméstica mal preparada para cuidar de crianças. Alegava também que o guri sabia ler e que, praticamente, aprendera sozinho.

Depois de muita conversa, acertos e desacordos, resolveu aceitar que uma criança, de apenas quatro anos (o normal era seis), frequentasse os bancos do prezinho (assim era carinhosamente chamada aquela etapa escolar).

Nos primeiros dias até que o guri se saiu bem, apenas riscando e rabiscando folhas de papel com lápis coloridos.

Na segunda semana, na hora de ir para a escola, dizia que tudo era muito chato! Que ia ficar escrevendo em casa, que em casa ia saber mais, que estava meio cansado... Não me sensibilizava, conhecedora da precoce malandragem dele.. Só se entusiasmava, porque eu colocava livrinhos de história sempre variados em sua mochila... (Creio estar, justamente, aí, um de meus grandes pecados: tentava "comprar" o guri!).

Alguns dias depois, disse-me, olho no olho:

-Mãe, acho que não vou mais na tia!

- Como não vai mais na tia?, em agonia, questionei.

Ele:

-Eu sei mais que a tia! (Naquele tempo era moderno chamar as professoras de tias. Depois que se deram conta...)


E o guri , de novo:

-Eu sei mais que a tia! Ela fica só riscando no papel da gente e mandando a gente riscar também. Escrevi o meu nome, escrevi o nome dela e ela mandou eu guardar... (Sem os erres finais, é claro! Leiam como se fosse a linguagem de criança e gaúcha...)

E altaneiro continua:

-Não sabe nem escrever! Só desenha, só risca, faz cirquinho!

E continua ainda mais incisivo:

- Eu disse que ia ensinar as letrinhas pra ela, pra ela depois ensinar pra outras crianças e ela brigou comigo! Mandou que ficasse quieto e não mostrasse as minhas letrinhas pros outros.


Deduzi que, naquela época, as professoras não estavam preparadas para trabalhar com as diferenças, fossem os aprendizes super ou mal dotados. E o triste é que muito pouco mudou...

Menino precocemente alfabetizado, então! Era considerado um problema seriíssimo, dispensável para não atrapalhar as aulas , ou transformado, na marra, em menino "normal". Ou ainda mais grave: para serem aceitos, escondiam-se na imbecilidade!


Uma pena! Quantos Eisteins viraram zé-ninguém...

5 comentários:

  1. Querida Professora fico lendo e relendo seus textos,principalmente quando se refere a sua vida familiar.Como todos recem casados,adaptação,filhos pequenos,dinheiro contado(no meu caso) na volta do trabalho,cansado,sentar no sofá,ler um jornal,nem pensar a gurizada queria atenção,mas quando chegava o período de férias,eles viajavam para a casa dos avós e tu chegavas em casa com aquele silêncio era desesperador,passou,agora não tem mais barulho,não tem mais briga de irmaõs,eu era feliz e não sabia...VOLTEM TODOS.

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  2. Amigo:
    Esse é o preço que pagamos ou o prêmio que recebemos da passagem dos anos. Viver é coletar lembranças boas e más, todavia devemos fazer do agora um momento de resgate: vivermos o não vivido, organizarmos um romântico jantar a dois, fazermos a viagem dos sonhos, proferirmos um galanteio para o ser amado e tantas coisas que queríamos vivenciar e os filhos não nos permitiram.
    Savoir vivre, eis a questão!
    Um abraço.
    Arlete

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  3. Ainda,amigo, com o dinheiro guardado, comprar uma casa na Suíça (ou em Gramado! Para mim, fica de bom tamanho!) Sonhar não custa nada. Ahahahah!

    Se a grana não der para tanto,reformar a casa como eu fiz, serviu como motivação para viver mais e meljor, mesmo sem os filhos.

    Brincadeiras à parte... O que achaste da postagem sobre a Suíça? Caprichei na coleta de imagens.

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  4. Adorei as fotos da Suíça,tudo florido,limpeza nas ruas,o verdadeiro lugar para morar a dois.Na sala de aula sempre falavas que o teu sonho era conhecer o Japão,lembras? um abração

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  5. Que bom ter amigo inteligente que sabe ler nas entrelinhas!

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