sábado, 20 de fevereiro de 2010

O magistério e a ideologia

Este foi o primeiro texto que tive a satisfação de vê-lo publicado em Zero Hora. Relendo-o, resgatei a exuberante alegria que de mim se apossou naquela oportunidade. Preciso, como podem perceber, de parcos motivos para ser feliz. Reeditar este texto justifica-se na medida em que, terminadas as férias que me concedi, retorno com "fúria assasssina" ao trabalho. Achei-o bem razoável, por isso e por absoluta falta de tempo, ei-lo neste espaço outra vez.

Em épocas e sociedades mais estáveis, coerentes e com propostas definidas, a ideologia dominante no Magistério convergia para os valores e os ideais vigentes nas diferentes estratificações sociais.


Hoje, devido ao estado de crises e indefinições entre o tipo de educação proposta e o homem que se quer formar, não se pode unificar uma postura correta e imparcial entre os educadores. Existem membros do Magistério que se engajam numa sistemática em que os valores, as características da sociedade não podem ser modificados. Seu aliciamento faz-se em total sincronia ao regime social e político, em que eles próprios assumem a responsabilidade de inserir o educando, porque acreditam que tudo está bem.

Surgem os educadores que agem apenas como repassadores de conteúdos acríticos e descomprometidos com a empatia de sua missão educativa. Para eles, as implicações ideológicas e sociais que devem reger as atividades docentes são ignoradas. Ao não se comprometerem, enjaulando-se em posturas apolíticas e sem criticidade, nada fazem para modificar o contexto injusto que os agrilhoa e, por conivência, em tudo ajudam para conservá-lo.


Há um terceiro grupo, minoritário, que foge às normas instituídas ao não difundir os valores impostos. Essa minoria, isolada, pouco compreendida, acredita que a função precípua de seu trabalho docente, alicerçada na competência, na sensibilidade, na criticidade, no espírito inovador e na dedicação eficiente, é “ajudar o povo a se descobrir, a se expressar e a se libertar”, contribuindo para a criação de homens novos, capazes de construírem uma sociedade menos injusta, mais igualitária, onde todos tenham os mesmos direitos e deveres. Sua maior tarefa é a de ajudar os educandos a se descobrirem e a vivenciarem valores que os façam atuar, sentir-se atuantes e responsáveis por seus destinos e dos grupos em que interagem.

Ao se analisar a atuação de muitos mestres, deparar-se-á com pessoas que não visam ao educando enquanto ser. Sua preocupação é de moldá-lo, a fim de que nada modifique, não se assenhore da realidade, não questione os seus valores, não a transforme, servindo como multiplicador dessa sociedade. Olvida-o como agente fundamental do processo educativo que deveria fundamentar-se na indagação permanente e criativa. É inapta para despertar a consciência crítica, fazê-lo perceber a necessidade de humanizar a si, a sociedade e aos seus dirigentes, confiando neles a partir da recriação de um mundo mais denso de amor e muito mais criativo. A educação merece sérios reparos , visto que, ao longo de sua história, vem desempenhando papel ambíguo, em que o educando é o paciente da ação educativa, elemento de adaptação e ajustamento, incapaz de se auto-educar e de se responsabilizar pela transformação do mundo.

Se os educadores passarem a acreditar na necessidade imperiosa de mudanças na práxis educativa, quer pelo aprofundamento dos estudos relacionados com a educação, criando-se um modelo educacional duradouro, em que as decisões imediatistas e paliativas devem ser abandonadas e procurar-se um ensinar permanente e valorizador, estarão revelando a preocupação de desenvolver as potencialidades do indivíduo, franquear a todos a descoberta de sua realidade, transformar um sistema falacioso, desenraizado da essência do homem, ultrapassado e omisso, a fim de que possam assumir-se como agentes de mudanças. Enquanto tal não acontecer, urge que os responsáveis pelo ensinar não esperem respostas prontas. Devem revestir-se de coragem, de envolvimento conscientes e iniciarem a redefinição dos valores educativos, redescobrindo técnicas e metodologias, adequando-as aos conhecimentos a serem desenvolvidos e ao tipo de homem que se quer formar hoje, gerando seres preparados para desempenharem o seu papel na coletividade como arautos dos novos tempos.

Para tanto , é preciso muita competência, grande dedicação, o comprometimento com as mudanças, o domínio do conhecimento, muita sensibilidade, conhecer e saber usar a metodologia adequada, investigando o mundo do aluno, descobrindo os seus anseios, adequando a linguagem à realidade lingüística dele, desenvolvendo um trabalho pedagógico voltado para o tipo de escola que todos almejam, onde o aluno se organiza, participa e luta para que ocorram mudanças significativas. Essa é a tarefa mais importante da escola e dos educadores, cabendo-lhes um repensar crítico e um posicionamento coletivo, integrado com toda a sociedade, em que o professor recupere a paixão e o entusiasmo com que lecionou pela primeira vez. Só assim terá reconhecido o seu valor.


>Publicado dia 19 de novembro de 2004, Jornal Zero Hora, página 33.


Só gostava da música "Além do Horizonte" cantada por Roberto Carlos. Em uma de minhas tardes preguiçosas, assisti a um clipe do Jota Quest e adorei. Comparem a mesma música na voz de Tim Maia e Erasmo Carlos. Não são uma beleza? Ecletismo é isso!





Para refletir:

"A vida nada nos dá; empresta-nos e depois nos cobra." (Desconheço o autor)

Nenhum comentário:

Postar um comentário