domingo, 25 de dezembro de 2011

Um milagre de Natal



Este texto escrevi a convite de Nivia Andres que o publicou em seu blog, o Interface Ativa, no ano passado. Foi tamanha a repercussão causada por ele que, por ter pouco tempo para escrever algo mais inspirado, vou reeditá-lo neste 2011. É o relato de todo o sofrimento que vivi com a longa enfermidade de meu filho primogênito e que, para felicidade minha e da família inteira, teve um feliz desfecho ocasionado por um maravilhoso milagre de Natal.

"O despertar de uma esperança"

A noite estava quente. O céu, adornado por milhares de estrelinhas, enfeitara-se para anunciar que, dentro de dois dias, seria Natal. Da janela de um quarto de hospital de Porto Alegre, espiava a noite, enquanto velava o sono de meu menino que ali se encontrava há longos e sofridos meses. A tarde escorrera lenta, porque o vai e vem rotineiro de médicos e enfermeiras, tentando reter a vida de meu pequenino, como que anunciando um milagre, cedera espaço para uma presságica calmaria.

Ao longe, o grito, em desespero, de uma sirene anunciava esperança de vida ou agourava o desenlace de alguém. O meu coração, aos prantos, implorava que não fosse mais um inocente e outra mãe a passarem pela dor que me acompanhava há tanto tempo.

Existem certos sofrimentos que não podem ser abrandados com palavras de consolo. Somente o abraço solidário de alguém irmanado na dor pode mitigar as mazelas que parecem intermináveis e a dor, por nada se poder fazer por um filho, que fenece num leito de hospital, só se apazigua quando se encontra identificação com igual sofrimento.

Quase um ano se passara e o 25 de Dezembro já se engalanava, vestindo-se com as mais belas roupagens de festa. Aquela noite, antevéspera de Natal, servira como uma estranha provação à minha resistência física e gestara em mim uma inusitada crença de que algo aconteceria antes que os sinos badalassem, anunciando os cerimoniais natalinos.

Ao longe, um bling bleng blong festivo de alguma igreja chamava os fiéis à prece. Súbito, os meus pensamentos voaram até o altar onde imaginara estar ocorrendo uma celebração religiosa. O meu agnosticismo e a minha incredulidade homogeneizaram-se numa prece silenciosa, num desesperado pedido de socorro. Naquela hora, era uma mãe movida por um único e aflitivo pedido, que suplicava pela vida de seu filho tão indefeso. Que me fossem tiradas futuras alegrias, mas que, naquele Natal, pudesse voltar a sorrir e me fosse permitido retornar ao meu lar para, junto com meu marido e familiares, festejar o retorno à vida saudável de meu menino.

Foram tantas noites indormidas que aquela me parecera a menos longa porque acreditava que algo muito especial iria acontecer. Era tão intensa a convicção de que logo o meu garotinho deixaria, em definitivo, aquele leito hospitalar que, de inicio, apenas sorri, depois, um riso tênue foi quase se transformando em gargalhadas. Parecia que forças oriundas de mundos muito especiais tomavam conta de mim e, com elas, a certeza de que, no Natal, estaria em casa ou celebrando em algum lugar fora do hospital. O contumaz desânimo que, sorrateiramente, abatera-me, a partir daquela prece, feita numa igrejinha no não sei onde, uma mulher mais forte e com renovados ânimos tomou o frágil corpo do menino doente e, apertando-o de encontro ao coração, transmitiu-lhe a própria força, mentalmente acreditando que lhe estava restaurando a vida.

Os primeiros raios de sol, indiscretos, foram se infiltrando pelo alvo quarto de hospital. Um novo dia se anunciava. Nem mesmo a longa espera em frente à sala, onde o meu menino submeter-se-ia à longa e sofrida bateria de novos exames, conseguia arrefecer-me a esperança de que algo aconteceria. Não sei se o que se apossara de mim poderia ser chamado de esperança, convicção, amor de mãe ou que outro nome serviria para o que sentira desde aquela prece?

Nem mesmo os gritos desesperados de meu bebê ante todos os sofrimentos que lhe infligiam, tornavam-me menor a crença de que algo sucederia. Já de volta ao quarto, preparava-me para, passado mais um dia, receber o resultado de todos os exames a que o garotinho fora submetido. Uma única frase ecoava: tudo vai terminar bem. No início, como se alguém a soletrasse para mim: tu-do vai ter-mi-nar bem! Depois, como se cândidas vozes a entoassem numa suave canção: Tudo vai terminar bem!

Dizem que a solidão e o sofrimento tornam as mães seres indestrutíveis e que a crença que se derrama sobre elas fazem-nas seres especiais e iluminados. Naquela véspera de Natal era, exatamente, assim que eu me sentia. Transformara-me num ser poderoso, como se uma única pergunta aceitasse uma uníssona resposta: Se eu lhe dera a vida, não deveria encontrar as forças fundamentais para restaurá-la?

A fé de que algo muito especial aconteceria, martelava-me o cérebro e era somente nisso em que pensava. Dia e noite. Intermitentemente, naqueles dias que antecipavam o Natal. Nem a fome que, às vezes, sentia e que protelava em afastar-me para saciá-la com medo de perder o meu menino, há muito desaparecera porque me alimentava com aquela certeza.

Uma leve batida à porta. O meu coração, aos pulos, antecipou-se à ação. O médico que tratava de meu filho naquele interminável quase ano, sorrindo, aproximou-se de mim e, de supetão, interrogou-me: “Tu acreditas em milagres? Pois o Rodrigo está curado. Tu vais poder passar o Natal em tua casa.” Não me lembro se chorei. A cena de que me recordo é que me abraçara ao médico e o beijara agradecidamente. Este, comovido, chorava compulsivamente porque ele ainda acreditava em milagres.

Não voltei à minha terra tão distante da capital naquele Natal, mas, junto com o meu marido, irmão e irmã, que o acompanharam na esperança de retornarmos a casa, festejamos o renascimento do Menino da Virgem de forma inusitada. De carro, vagamos pela noite porto-alegrense, uma capital sem assaltos e sem banditismos naquela época, visitando todas as igrejas que celebravam a Missa do Galo. Não nos sentíamos plenamente felizes, porque não tínhamos um lar para festejar e em paredes estranhas não seria a festa natalina que tanto sonháramos: a primeira como pais e tios.

Muitos anos já se passaram. Tantos natais já festejei, todavia, em cada noite natalina, os meus pensamentos retornam àquela igrejinha e, silenciosamente, refaço a mesma prece ditada pela força interior que para lá me conduziu. Nessas noites mágicas, recordo-me também daquele médico que, diante de tanta dor e sofrimento, nunca deixou de acreditar em Deus e em milagres.

Também eu, mesmo que tenha demorado a aceitar e a compreender, o que, realmente, aconteceu com o meu menino foi um doce milagre que ganhou forças e se corporificou porque era quase Natal... Desde então, em cada noite natalina, olho-o, agora homem feito e agradeço por bebês não terem consciência de todo o sofrimento por que passaram. Nesses momentos, lágrimas escorrem fugidias porque acredito que crianças jamais deveriam ser tomadas pela dor e desejo, piamente, que, para o meu e para todos os meninos e meninas, que, na infância, sofreram acometidos por estranhas ou terminais doenças, o Natal aconteça todos os dias...

Amigos e amigas muito queridos!
Que neste Natal, os milagres também aconteçam para vocês através da harmonia no lar, do amor pela família, da solidariedade entre amigos, da gentileza com as pessoas em geral e do desejo de que só coisas boas aconteçam em 2012.

2 comentários:

  1. Arlete,tenho certeza que estás assistindo o show do Roberto Carlos em Jerusalen,na môsca.

    ResponderExcluir
  2. Erraste,amigo! Estou aqui (no comp.) cuidando da netinha, olhando pela enésima vez o "Pocoyo se descntrola", um desenho animado lindo.

    ResponderExcluir