Numa dessas manhãs frias, típicas do inverno sulino, em que o vento Minuano se faz presente com todo o seu potencial, minha filha e eu precisamos testar toda a nossa capacidade de confiar na fada boa da vida. Necessitava a minha garota de ir até a garagem onde deixa o seu carro, distante algumas quadras de seu apartamento, para deslocar-se ao aeroporto da capital. Seu esposo chegaria em voo proveniente de Brasília. Uma chuva fininha, associada ao vento cortante, impedia de levar com ela a pequenina Marianna, a netinha que amo tanto.
Como aquela manhã era o dia de folga da babá, precisa encontrar alguém, um anjo bom, que zelasse pela garotinha. Descartadas todas as possibilidades de ajuda, mesmo morando à distância de quase 500 km da cidade onde residem neta e filha, a única pessoa disponível para cuidar da menina era eu. O que fazer? Como minha filha sempre encontrou soluções para os problemas com que se deparava desde a infância, não pensou duas vezes. Entrou no MSN, apresentou a sua proposta de como auxiliá-la e eu, com o coração mais agitado do que bateria de escola de samba, aceitei o desafio.
O que combinamos? Pessoas que temem tudo e a todos, certamente, iriam achar que ambas somos desmioladas ou irresponsáveis. Aqueles que conhecem o profundo relacionamento e o afeto incomensurável que nos liga, já anteciparia a certeza de que tudo terminaria muito bem.
Jamais negaremos que o ato praticado por avó e filha estava cercado de temeridades. Quando li, no MSN, o que a minha filha propunha, embora dotada de pendores para o inusitado, para o risco e para o desconhecido, naquela situação, senti o ânimo vacilar. E se algo saísse do meu controle? Não poderia, àquelas alturas e com a chegada iminente de meu genro, mostrar-me um ser fragilizado. Aceitei a proposta e, pela primeira vez, lamentei a minha falta de fé. A quem apelaria? A que santos pediria ajuda? Os céus e a Terra comigo compactuar-se-iam?
Feitos os devidos arranjos, iniciamos a mais fantástica experiência vivida por mim nos últimos anos. Eram exatamente 10 horas e 35 minutos quando tudo começou. Estava descartada a possibilidade do “pegar ou largar”. Já havia pego... Com o telefone na mão, os olhos, sem pestanejar, fixos na tela do computador, iniciaram-se os minutos mais longos de minha vida. E de maior temeridade talvez. Sentada na cadeirinha de papar, em frente ao enorme telão da TV, assistindo a um filmezinho infantil que descobrimos Marianna e eu no PC de minha casa, “O Pocoyo descontrolado”, a que ela chama, em sua linguagem infantil de “Pitoió de bumbum fora”, iniciamos a temível experiência.
Quando assistíamos juntas ao filmezinho, fazíamos coreografias agitadas, tentandoacompanhar a frenética dança do bonequinho do desenho animado. Tanto Daniella quanto eu nos centramos na expectativa de que, estando a ver desenhos na TV, Marianna fica como que hipnotizada. A atenção dela volta-se, exclusivamente, para o que está vendo. Torcíamos para que nada interviesse entre a televisão e ela. Antes de sair, Daniella disse à filha que a vovó Éti iria cuidar dela. Estabelecida a confiabilidade, tão fundamental nessas horas, saiu a minha filha em veloz correria.
Procurava, através dos gestos que ela tão bem conhecia, mantê-la confiante e fazê-la entender de que não estava sozinha. A garotinha olhava para a tela do computador, via-me e voltava a olhar o Pitoió. Ria sozinha com as passagens que ela achava engraçadas. Quanto a mim, apelava para meu pai, minha mãe e para o Altamor, um cunhado a quem amava muito. Todos já falecidos. Suplicava pela ajuda deles, embora descresse, por completo, da eternidade... Enquanto pensava: É na hora da peleia que se conhecem os valentes. Sem nenhuma dúvida, minha filha e eu mostramos ser mulheres corajosas. (“Quem herda aos seus, não degenera”).
Os minutos escorriam lentos. Ouvia as batidas aceleradas do coração. As mãos tremiam. Apesar do intenso frio, um suor gelado escorria-mne pelas faces, molhava-me as mãos. A garotinha lá, a centenas de quilômetros de distância. O meu maior medo era de que ela derrubasse o Pimpo, um paninho com cabeça de urso, a que chamo de “porto seguro da Marianna” e que serve como calmante para ela. Se caísse ao chão, provavelmente, a garotinha tentaria pegá-lo. Então... O desastre estaria feito.
Quando ouvi o “Cheguei, mãe!”, desatei num choro convulsivo. Tão intenso como há muito não chorava. Era um pranto de alívio e de remorso. Ambos, misturados com a inépcia e pela tragicidade ocasionada por minha presença meramente virtual, demonstraram a força da internet que, somada à coragem de uma mãe sem outras alternativas, de uma avó desesperada e de uma desenho animado miraculoso, serviu como o elo de uma experiência fantástica.
Amiga, essa foi uma experiência fantástica mesmo. Posso avaliar todo o horror que você passou enquanto cuidada da neta.
ResponderExcluirParabéns pelo belo e emocionante texto e pela CORAGEM.
Abçs.
João Lucas
Escrevi cuidada. Corrige para cuidava.
ResponderExcluirJ.L.
Que fantástica mesmo...nossa como nós duas fomos corajosas aquele dia, pois a Marianna não para um minuto e pelo nosso pedido de amor, aquele dia ela parou...e VIVA nós duas...que nos amamos e fazemos da vida sempre ser bem melhor do que ela é. E ser assim, agradeço a ti, minha amada mãezinha, que desde pequena me ensinou - aprenda a fazer sempre do limão uma limonada!!
ResponderExcluirSinceramente, agora pensando alto, o que será que me passou pela cabeça? Hum....EU SEI...tinha certeza que qualquer coisa que acontecesse tu ia saltar do computador e protegê-la...como a vida toda fez comigo!
TE AMO!
AMO NÓS DUAS!!
Filha amada!
ResponderExcluirHoje, com a "cabeça fria", ao analisar o que fizemos, duas conceituações se encaixam no feito: ou somos duas doidivanas ou confiamos, em demasia, nesse vínculo tão fantástico que nos move, nos iguala em audácia e crença de que tudo vai dar certo. E o bom é que sempre tem dado certo, não?
Amo-te cada vez mais.
Mil beijos.
Arlete
P.S.: Acho que perdi a conta no Google. Por isso, postei como anônimo