sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Uma noite no "Señor Tango"



Às vezes, ser educada evita que passemos por situações grotescas ou nos torna vulneráveis diante do causador do infortúnio. Vivi, em 2011, em Buenos Aires, uma cena digna de pastelão e, se não fosse o meu comedimento e educação, terminaria numa delegacia de polícia.

Feitos os preparativos para passarmos boa parte da noite no “Señor Tango”, a mais chique casa de tango da Argentina, não imaginava o luxo do local e que passaria por algo desconfortável. Meu marido, minha irmã, minha filha e eu nos vestimos  conforme o exigido pelo protocolo. Já no ônibus que nos conduziria ao local, conhecemos duas senhoras catarinenses amigas de infância, que, separadas na adolescência e parte da idade adulta, reencontraram-se na França, depois de estarem separadas por mais de 20 anos. Coisas do destino!

Voltemos à minha “tragédia” pessoal. E ao local do “crime”. Antes quero descrever o luxo do ambiente. Lustres de cristal belíssimos, cadeiras estofadas em veludo, toalhas de linho finíssimo, pratos com filetes de ouro, talheres de prata, copos de cristal, camarote à meia luz. Mais parecia o cenário de um luxuosíssimo filme. Um show! Tudo indicava que a noite seria esplêndida. Estávamos nos sentindo como reis e rainhas num castelo encantado.


A conversa fluía frouxa, as catarinenses contaram-nos, em detalhes, a amizade infanto-juvenil e o reencontro na maturidade. Lindas mulheres. Ansiosas pela liberdade e pelo descanso, pois ambas trabalhavam muito, exalavam alegria e felicidade. Nós, também.

Minha filha, sempre tentando me proporcionar as melhores coisas, ao iniciar o espetáculo, ofereceu-me o lugar anteriormente ocupado por ela, em frente ao palco. Aceitei. Desloquei a cadeira para mais perto do gradil que protegia as mesas e os comensais. Ao voltar a sentar-me, recebi dois violentos socos nas costas. Assim, sem palavras. Duas violentas pancadas vindas do não sei onde. Espantada, levantei-me de supetão. Uma mulher gorducha e desbocada dizia que aquilo era um desaforo, que comigo ali não veria nada do show. Paralisada pela surpresa do grotesco ato, não conseguia dizer palavra. Agia como “se o gato tivesse comido a minha língua”, conforme ouvia em criança, quando ficava  muda em vez de reagir.

Simplesmente olhei para a enraivecida mulher. Creio que leu em meus olhos toda a perplexidade e a pena que sentia dela. Voltei a olhá-la de alto a baixo como se para informá-la de que, naquele momento, não me igualaria à pequenez dela. Fiquei encarando-a por mais alguns segundos.


Todos me olhavam apavorados. Provavelmente pensando que eu iria dar uns tabefes na desgraçada mulher. Ou imaginando ainda que eu fosse uma pateta, que, se fossem eles, dariam uns bons sopapos na mal educada. Calmamente, sentei, puxei ainda mais a cadeira para frente e agi como se nada tivesse acontecido.

A mulher retornou à baderna, às altas risadas, às queixas de que a carne era horrível, a comida intragável, patati, patata... O grupo todo exibia total falta de classe. Seu jeito, suas roupas exageradas, a fala em tom elevado, o deboche, o desdém pelo excelente jantar evidenciavam tratar-se de pessoas acostumadas a humilhar os outros. Assemelhavam-se aos novos ricos que, depois de passarem pelas agruras da pobreza, enriquecem pelo trabalho ou por falcatruas. Homens e mulheres rudes que, contemplados pela fortuna, passam a se achar os donos do mundo.

Hoje, revendo mentalmente a cena, creio que faria tudo exatamente como fiz. Jamais me igualaria a ser tão baixo. Passei a dar maior relevo às sabias palavras: “o silêncio vale ouro, enquanto a palavra vale prata”. Acredito terem sido todos os anos como professora que me ensinaram a manter sob controle as situações mais inusitadas. Certamente, se eu tivesse reagido, teria armado um tremendo barraco e que final não teria a linda noite no “Señor Tango”?



2 comentários:

  1. Tem situações na vida,que precisamos ter um máximo de auto controle.Achei que voce agiu corretamente.Faria o mesmo.

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  2. Roseli, querida. Obrigada pela visita. Realmente, a classe pode ser hereditária ou adquirida com o tempo. Procuro cultivá-la porque isso me é quase obrigatório. Como dizem as dondocas: "não desço dos saltos!"
    Um beijão.

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