Para não dizer que não falei do tempo

O tempo não é apenas um ontem, um hoje, talvez um amanhã. O tempo é o somatório de todos os tempos. Os bons, os ruins e os nem tanto. É uma brisa que vira vento. É um sol poente que beija o farol para se decompor e se esparramar, placidamente,  nos braços do horizonte. É a chuva fininha que chove e não molha. É um vento sem pressa, sem dono, molemolente que levanta as saias, desarruma as cabeleiras, varre as folhas caídas e as carrega para um tempo sem tempo.

O tempo é um matraquear de compassos sem compromissos, de ruídos descompassados, de sons sem graça que cismam em se fazer ouvir. O tempo é a prece nos lábios secos da beata, é o pranto da mulher traída, é o descompromisso entre o riso e a dor. O tempo é o tudo e o nada. O eco e o silêncio. A alegria e a desgraça. É o balbucio e o discurso. É a calmaria e a pressa, o trabalho, a preguiça, os doces momentos e o turbilhão que os afasta. É o encontro e a partida. O beijo, o abraço, a carta esquecida.

O tempo é a sombra na terra que se esvai lentamente, sabendo que o concreto e o abstrato jamais se unirão. É o agora, o nunca e o talvez. É o teu sim e o meu não. É o choro do que nasce e o da cara enrugada. O tempo é o tudo e o nada, é a soma e a subtração do bem e do mal. O múltiplo e o dividendo entre a fartura e a miséria. É o pecado e o perdão, o amor e o ódio, o branco no preto, a vida e a morte. O tempo?  É o soco na boca do estômago da morte. É a roupa encardida da devassidão.  O tempo é a ruga na face da vida. Só isso, nada mais...