quinta-feira, 8 de julho de 2010

Morrer em vida é fatal



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O que reproduzo abaixo é mais uma bela mensagem recebida de Marília Gudolle, aquela adorável "prima", que contei para vocês, a qual me havia "descoberto" através de minhas publicações circulantes via internet ou jornais. Cuidadosa, envia-me textos que acredita serem reproduções do que penso, de como vivo ou ajo.

Deslumbro-me com a perspicácia dela, visto que, apesar do parentesco redivivo, não nos conhecemos pessoalmente, contudo a correspondência que trocamos nos irmana, nos iguala e reforça laços recentes, embora pareça havê-la conhecido e compartilhado emoções por longo tempo.


Pessoas sensíveis, que refestelam um olhar diferenciado para a vida e para os outros, que não negligenciam afetos e se prontificam a compartilhá-los sempre encontram ecos de emotividade para repassar e dividir com outras assemelhadas. São e devem ser acolhidas para se acoplarem, em definitivo, em cérebros que sabem acolher a doce magia da amizade e da ternura.
Por tudo isso, o meu coração se prostra rendido para receber e prestigiar tudo o que de bom e de belo tem me enviado. Martha Medeiros, nossa irmã "gêmea" nas ideias sobre como visualizamos pessoas e viveres é a melhor forma de dizer a essa encantadora prima que estou rendida aos seus encantos e identificações de como encaro a vida. Por acreditar ser a existência um caminho de mão dupla, procuro escolher aquele em que melhor me adapto, ainda que "estremeça" com medo da velhice e das patéticas marcas imprimidas pelo envelhecer.

"Nunca esqueci de uma senhora que, ao responder por quanto tempo pretendia trabalhar, respondeu com toda a convicção: “Até os 100 anos”. O repórter, provocador, insistiu: “E depois?”. “Ué, depois vou aproveitar a vida”.É de se comemorar que as pessoas aparentem ter menos idade do que realmente têm e que mantenham a vitalidade e o bom humor intactos – os dois grandes elixires da juventude.

No entanto, cedo ou tarde (cada vez mais tarde, aleluia), envelheceremos todos. Não escondo que isso me amedronta um pouco.
Ainda não cheguei perto da terceira idade, mas chegarei, e às vezes me angustio por antecipação com a dor inevitável de um dia ter que contrapor meu eu de dentro com meu eu de fora.Rugas, tudo bem. Velhice não é isso, conheço gente enrugada que está saindo da faculdade.

A velhice tem armadilhas bem mais elaboradas do que vincos em torno dos olhos. Ela pressupõe uma desaceleração gradativa: descer escadas de forma mais cautelosa, ser traída pela memória com mais regularidade, ter o corpo mais flácido, menos frescor nos gestos, os órgãos internos não respondendo com tanta presteza, o fôlego faltando por causa de uma ladeira à toa, ainda que isso nem sempre se cumpra: há muitos homens e mulheres que além de um ótimo aspecto, mantêm uma saúde de pugilista.


A comparação com os pugilistas não é de todo absurda: é de briga mesmo que estamos falando. A briga contra o olhar do outro.Muitos se queixam da pior das invisibilidades: “Não me olham mais com desejo”. Ouvi uma mulher belíssima dizer isso num programa de tevê, e eu pensei: não pode ser por causa da embalagem, que é tão charmosa. Deve estar lhe faltando ousadia, agilidade de pensamento, a mesma gana de viver que tinha aos 30 ou 40. Ela deve estar se boicotando de alguma forma, porque só cuidar da embalagem não adianta, o produto interno é que precisa seguir na validade.

Quem viu o filme Fatal deve lembrar do professor sessentão, vivido por Ben Kingsley, que se apaixona por uma linda e jovem aluna (Penélope Cruz) e passa a ter com ela um envolvimento que lhe serve como tubo de oxigênio e ao mesmo tempo o faz confrontar-se com a própria finitude. No livro que deu origem ao filme (O Animal Agonizante, de Philip Roth), há uma frase que resume essa comovente ansiedade de vida: “Nada se aquieta, por mais que a gente envelheça”.Essa é a ardileza da passagem do tempo: ela não te sossega por dentro da mesma forma que te desgasta por fora.

O corpo decai com mais ligeireza que o espírito, que, ao contrário, costuma rejuvenescer quando a maturidade se estabelece.Como compensar as perdas inevitáveis que a idade traz?
Usando a cabeça: em vez de lutarmos para não envelhecer, devemos lutar para não emburrecer. Seguir trabalhando, viajando, lendo, se relacionando, se interessando e se renovando. Porque se emburrecermos, aí sim, não restará mais nada."

Texto publicado em Zero Hora, em 03 de maio de 2009, por MARTHA MEDEIROS

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