quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Pai, meu herói, meu bandido



Quando ouvi a canção de Fábio Júnior “Pai Herói” pela primeira vez, estava dividida entre o desejo incontido de continuar a ser criança e a vontade inexplicável de me tornar senhora absoluta de meu destino, por isso a revolta se incorporou em mim ao não entender a mensagem contida nos versos paradoxais: ”pai, você foi meu herói, meu bandido”, porque, naquela controversa fase de minha vida, só via a figura paterna como o herói gigante, o mais bonito e o mais gentil dentre todos os homens. Era ele que afugentava os monstros que rondavam o escuro de minhas noites e apagava os ruídos mais estranhos que ressonavam no meu imaginário infantil, enquanto se fragilizava para me contar histórias de um paraíso intocável, repleto de fadas, de personagens esdrúxulos e de cantigas que ora soavam como doce acalanto, ora ecoavam como hinos bélicos para combater estranhos inimigos, eliminar as negritudes em meu dormir e que pareciam ainda mais profundas longe dele.

Somente fui perceber a força do seu lado “bandido”, quando não aceitava os meus deslizes, segundo ele, atos imperdoáveis; para mim, meros atos de rebeldia em busca da descoberta do universo assenhorado pelos adultos ou quando parecia não se importar com o razoável desempenho escolar que, na minha irresponsabilidade de adolescente, não passava de inadaptações da escola ao meu universo particular e à minha inusitada concepção de mundo. Mais forte ainda emplacou o adorável bandido, quando dele me afastei e senti se agigantar o sofrimento gerado por sua ausência, pelo vazio de conselhos na luta entre o certo e o errado, pelo não ecoar de sua voz para proferir o não vai, fica, espera, continua, tão necessários à etapa vivencial, onde não se sabe equacionar limites.

O tempo foi escorregando, somando sonhos, dividindo-os em realidades e fracassos superáveis e o pai deixou de ser o bandido para se transformar, definitivamente, em herói, conselheiro, amparo nos momentos incertos, concretizador de sonhos palpáveis, mágico disposto a enfrentar os meus inadaptados monstros interiores para fazer aflorar em mim um ser pleno, consciente do viver ético, cuja decência na concretização dos ideais tornou-se um parâmetro a ser, tenazmente, perseguido.

No meu amadurecer constante, passei a entender por que um homem, para transformar os filhos em pessoas completas, cumpridoras de seus deveres, cidadãos leais para as pessoas que lhe são próximas, responsáveis pelos próprios atos, éticos no desempenho de atividades, precisa ser um misto de herói, que saiba insuflar os sonhos e bandido, apto a refrear atos desabonadores, sempre disposto a impor limites, para que, como eu, os demais descendentes possam parafrasear os versos de outra famosa canção: Ah! Se só existissem pais iguais a você, como seria bonito viver. Talvez, nem chorassem por Eloás e Lindembergers.
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2 comentários:

  1. Foi bom depois de tanto tempo ler um comentario teu sobre o seu Luiz,foram poucos contactos mas neles deslumbrei um pai,na verdadeira copncepçao da palavra

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  2. Oi, Anônimo:
    Adoraria saber quem és para, juntos, recordarmos a figura magnífica que foi meu pai.
    São tantas as lembranças, mas, mesmo assim, outras só viriam enriquecer o meu e o universo dele.
    Adorei o teu comentário.
    Um abração
    Arlete

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