sexta-feira, 19 de outubro de 2012

*Carta a minha neta


CARTA QUE O APRESENTADOR FLAVIO CAVALCANTI (1923-1986) ESCREVEU A SEU NETO.

*Psiu! Adaptei o texto para homenagear a minha neta Marianna.

Minha neta:

Pelo que você já me disse com o seu sotaque de anjo, percebo que você me considera uma criança grandona e desajeitada, e me acha, mesmo assim, uma boa companheira de brinquedos. Pena que tenhamos tão pouco tempo para brincar, estou tão longe, nos vemos tão pouco e, quando juntas, eu não quero só  brincar de passado porque você só sabe brincar de futuro.

E ainda estarei brincando de recordação quando você começar a brincar de esperança. Mas antes que termine o nosso recreio juntas, antes que eu me torne apenas um retrato na parede, uma referência do meu genro, ou quem sabe até uma lágrima de minha filha, quero lhe dizer, minha neta, que vale a pena. Vale a pena crescer e estudar.

Vale a pena conhecer pessoas, ter namorados, sofrer ingratidões, chorar algumas decepções. E, a despeito de tudo isso, ir renovando, todos os dias, a sua fé e a bondade essencial da criatura humana, e o seu deslumbramento diante da vida. Vale a pena verificar que não há trabalho que não traga sua recompensa; que não há livro que não traga ensinamentos; que os amigos têm mais para dar que os inimigos para tirar; que, se formos bons observadores, aprenderemos tanto com a obra do sábio quanto com a vida do ignorante.

Vale a pena casar e ter filhos. Filhos, que nos escravizaram com o seu amor. Vale a pena viver nesses assombrosos tempos modernos, em que milagres acontecem ao virar de um botão; em que se pode telefonar da Terra para a Lua; lançar sondas espaciais, máquinas pensantes à fronteira de outros mundos, e descobrir na humildade que toda essa maravilha tecnológica não consegue, entretanto, atrasar ou adiantar um segundo sequer a chegada da primavera.

Vale a pena, minha neta, mesmo quando você descobrir que tudo isso que estou tentando ensinar é de pouca valia, porque a teoria não substitui a prática, e cada um tem que aprender por si mesmo, que o fogo queima, que o vinagre amarga, que o espinho fere, e que o pessimismo não resolve rigorosamente nada.

Vale a pena até mesmo envelhecer como eu e ter uma neta como você, que me devolveu a infância. Vale a pena, ainda que eu parta cedo e a sua lembrança de mim se torne vaga. Mas, quando os outros disserem coisas boas de seus avós, quero que você diga de mim, simplesmente isso: "Minha avó foi aquela estranha criatura que me disse que valia a pena. E não é que ela tinha razão?!”

2 comentários:

  1. Simplesmente lindo, estou em lágrimas com a nossa Marianna no colo, também super emocionada e concentrada na cartinha da Vovó (ao final ao me ver chorando, deu um enorme suspiro e disse: que bonito, né, mamaãe?)
    Obrigada por ser tão, tão, especial em nossa vida! Te amo!!

    ResponderExcluir
  2. Filha amada!

    Coisa boa que leste essa pps. para a Marianna. Sensíveis que ambas são, tinha certeza de que iriam gostar do texto.
    Também te amo muito.

    Um beijão.

    ResponderExcluir