sábado, 24 de março de 2012

A raiva constrói

DANUZA LEÃO

A depressão nos leva para a cama e tira a vontade das coisas mais banais, como tomar banho, comer, ler.

QUANDO alguém nos magoa e nos faz sofrer, o que acontece? Ou se sofre, o que em grande parte das vezes termina em depressão, ou se fica com muita raiva, o que é bem melhor. Mas a raiva -foi o que nos ensinaram- é um sentimento feio, baixo, que pessoas superiores não devem ter. Mas vamos discordar: uma boa raiva com motivos é saudável, e faz muito bem à pele, ao coração e à alma, além de evitar o infarto. E quem está querendo ser superior?

Conseguir ter raiva é excelente para a saúde física e mental; a depressão nos leva para a cama e tira a vontade das coisas mais banais, como tomar banho, passar uma escova no cabelo, comer, ler, quem não sabe? Já a raiva faz com que se façam coisas, mesmo que sejam coisas erradas. Na depressão você não se levanta nem para ir a um cabeleireiro; já na hora da raiva você pinta o cabelo de vermelho, o que é muito melhor do que ficar prostrada olhando para o teto.

Exemplos são sempre ótimos: se uma mulher é abandonada por um homem, entre a tristeza e o ódio, o que é melhor? O ódio, claro. Por raiva e ódio as pessoas querem e devem mostrar que não é qualquer coisa que as derrubam.

A primeira providência de uma mulher (saudável) com raiva é pensar: "Como é que vou me vingar?"

Em primeiro lugar, mostrando que não está sofrendo. Para isso é preciso estar na sua melhor forma, razão mais do que suficiente para perder aqueles três quilinhos, comprar um vestido novo, pegar um sol, aposentar definitivamente o uniforme tênis e jeans e voltar a usar um bom salto alto. Parece bobagem? Pois não é. Dificilmente você vai ver uma mulher se equilibrando num salto oito com depressão. De salto, automaticamente se encolhe a barriga, se levanta o queixo, e os ombros ficam na posição certa, como se desafiasse o mundo. Se cruzar com ele, não é melhor estar maravilhosa do que arrasada?

Uma coisa leva a outra: por sentimentos nobres como o amor próprio, o orgulho, a vaidade e a raiva, não se deixa a peteca cair -em público, pelo menos-, e com isso vem o hábito de não deixar a peteca cair nunca, a não ser no divã do analista.

Pense um pouco: se você é normal, deve ter raiva de alguém. O que deve fazer para irritar esses alguéns? Ficar linda, maravilhosa, ter sucesso, ser vista sorrindo, vibrando, enfim, ser feliz.

Digamos que você seja uma desenhista de moda e que esteja sem a menor inspiração. Faz o quê? Pensa numa pessoa que detesta e imagina a glória de fazer um trabalho elogiado, que faça com que você se torne a melhor de todas. Só de pensar nesse delicioso prazer, é capaz de baixar em você o espírito de Balenciaga e o trabalho fluir fácil, só de raiva.

Quando for ao jornaleiro da esquina, pense que pode se encontrar com ele -aquele que fez você sofrer tanto-, e é claro que vai se realçar antes de descer. Se acontecer, não vai ser ma-ra-vi-lho-so ele ver como você está muito mais linda agora, sem ele? Deve estar sendo muito bem tratada, ele vai pensar. E pode ser ainda melhor: encontrar na esquina outro que te faça feliz para sempre por uns tempos -ou não?

Por isso, querida, quando vier aquela raiva cega, aquela vontade de gritar, de xingar, de matar, transforme toda essa energia a seu favor. Assim como o amor constrói para a eternidade, a raiva pode construir a prazo bem mais curto -e de superior e inferior, afinal, todos nós temos um pouco.

Uma delícia, ter uma boa raiva; e sobretudo, muito construtivo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário