terça-feira, 28 de agosto de 2012

O Candidato

Adorei esta crônica de Eduardo Lara Resende, titular do blog Pretextos (http://www.pretextoselr.blogspot.com.br), que eu adoro e visito sempre.

O título?

O candidato

- O amigo fique sabendo que hoje me sinto mais leve, como há tempos não me sentia.

- Ah é? Posso saber o motivo desse ar assim tão satisfeito?

- Poder até pode, mas sabe como é, né? O assunto nem é muito bom de se conversar assim, numa fila de banco...

O outro deu um sorriso amarelo e calou-se. Passou a ler, com dissimulado interesse, as instruções de uso impressas na embalagem de um inseticida para plantas, que trazia numa sacola. "Vai ver, o assunto do levezinho aí é mulher", pensou.

- Mas o amigo fique à vontade, se não quiser conversar a respeito. Penso que, se lhe confessei sentir-me aliviado, é justo que aponte o motivo. E o motivo é a política.

O leitor das instruções de uso enfiou a embalagem de inseticida na sacola, arregalou os olhos e desligou-se do mundo para entregar-se à conversa.

- Ah, é?

- É. A soberana voz do povo falou mais alto e não elegeu a maioria dos candidatos que nos torturaram pela TV, pelo rádio, pelos auto-falantes, pelo telefone fixo, pelo telefone celular, pela imundície das ruas, pelo discurso mentiroso, pela falta de projetos, pela falta de respeito...

Nesse ponto o levezinho parou. Só a sacola com o inseticida para plantas do petrificado leitor das instruções de uso, agitada pela brisa, fazia algum movimento.

- Tudo bem com o amigo? Algum problema? – o levezinho tocou o braço do outro.

- Claro... claro... quer dizer, nenhum problema. Eu prestava atenção no que o senhor falava.

- Pois é, é o que digo. E os nomes dos candidatos? Fiz questão de guardar o santinho daquele que, a meu ver, foi a derrota mais merecida. A que me lavou a alma.

- Quem era ele? – perguntou o leitor das instruções.

O levezinho remexia os bolsos, tirava montes de papel dobrado – receitas médicas, volantes de loteria, fichas de caixa, contas...

- Ô, gente, cadê o danado? Tava aqui...

O outro espichava o pescoço, enfiava os olhos pelos bolsos do levezinho, chegou a deixar no chão a sacola para desocupar as mãos que, inquietas, queriam ajudar na procura.

- Ah, achei! Tá aqui o desgraçado! - e o levezinho sacou, de dentro de uma conta, o santinho que procurava. Orgulhoso, exibiu-o como um troféu de caça ao leitor das instruções.

- Olha aí o campeão da chatice universal: Tadeu Tingole! Encheu o meu saco, encheu o saco de todo mundo na minha rua, no meu bairro...

Aqui, o levezinho fez uma careta, ensaiou trejeitos e começou a cantar o jingle do candidato derrotado.

- Todos juntos com o Tingole / que é bom, que não é mole... Bem feito, foi engolido!

O leitor das instruções olhava o santinho do candidato e devolvia o olhar para o levezinho, que continuava a cantar o jingle do Tadeu Tingole.

- Mas o senhor não desconfiou de nada não?

- Se desconfiei? – perguntou, alegre, o levezinho. – Desconfiei de tudo desse sujeito aí, por isso fiz a maior campanha contra ele.

Segurando a sacola com a embalagem do inseticida, o leitor das instruções tinha o rosto vermelho, as narinas anunciavam um fogaréu. Súbito, estendeu a mão direita, pegou a mão do levezinho, e antes que este desse pela coisa, apertou-a dizendo com ironia:

- Muito prazer, eu sou o Tadeu Tingole. Desde já, considero-o dispensado de votar em mim no próximo pleito. Passar bem!

Disse e retirou-se, pisando duro. A mulher que estava à frente do levezinho começou a rir.

- Desde o começo eu achei a cara dele parecida com a do Tadeu Tingole...

- Mas ele no santinho tem cabelos pretos e lisos, olhos claros e aparenta não mais que 35 anos. Esse cara que estava aqui é meio careca, cabelos grisalhos, olhos escuros e tem mais de 50 anos. Como é que eu ia adivinhar que era o Tingole?

- O senhor não sabe não? Meu neto disse que é esse negócio de computador. Tem um programa que bota a gente novinha na fotografia...

O levezinho não sabia o que dizer, mas a mulher continuava a falar.

- O senhor não acha que seria muito melhor um programa que pusesse a gente novinha de verdade? – perguntou piscando o olho pro levezinho, que guardou o santinho do Tadeu Tingole no bolso e não quis mais saber de conversa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário