sábado, 8 de novembro de 2014

Nossa fugaz eternidade, o original









Quando deixamos as reminiscências vagarem nas linhas escorregadias da saudade, despidos de qualquer pudor de recordar o que tenhamos visto ou vivido, a tendência peregrina e mutável que habita a morada dos sensíveis e a alma enrugada dos pessimistas, encarrega-se de selecionar fatos e feitos. Ao afrouxarmos as rédeas da memória, surpresas boas e ruins podem sobrepujar muito do que nos fez felizes ou nos definiu como tristes.  Como proteção, dispomos da capacidade poderosa de determinar o que realmente pretendemos escancarar ou ocultar. Libertos das amarras que encarceram palavras e sensações, volatizamos por tempestades, calmarias e desdizeres para, apaziguados, deixar-nos adormecer entre quimeras e realidades.
Apaziguados com o passado, permitimos que o imaginário seleto desatrele e redima os erros cometidos impensadamente. Como fênix que ressurge do nada, rememoramos tudo o que colaborou para nos tornar seres melhores e o enclausuramos num espaço diferenciado, nos escaninhos da mente, irmã da vida, filha do silêncio e gestora do bem e do mal. Cavalgando nas asas do sonho, permitimos que a noite esconda as estrelas nas dobras mais negras do céu só para nos brindar com uma lua prateada, pitonisa da certeza de que o sol voltará com o brilho mais fulgurante, ainda que ventos e temporais se anunciem extemporâneos.
Assim é a vida, plena de metáforas e de contratempos, momentos de puro gozo e cenas que poderiam servir como coadjuvantes do mais horrendo filme de terror. Esse é nosso encantamento e desdita, vaticínio e certeza, belicosidade e paz, ternura e maldade, paradoxo implacável entre o morrer e o viver. Porque somos finitos e a morte nos é a única e inexorável certeza, não percamos tempo em lamentar o que não podemos mudar, nem nos aprisionemos no se que deixamos de ser ou fazer. No desenlace da existência terrena, que a partida nos seja bem leve para que possamos descansar em recordações de nossos entes mais caros porque, enquanto permanecermos nas lembranças ou nas fotografias registradas por eles, perecíveis que somos, estaremos imortalizados em merecida, embora fugaz eternidade.



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